1 de jun. de 2016

Sobre a nem Sempre Confortável Zona de Conforto


Está bem, você já explicou e eu entendi que parece mais fácil ficar onde está e com quem está, afinal de contas o cenário é familiar, os personagens já se conhecem e, na medida do impossível, se suportam, quando não estão se odiando. Isso vale pra casais, tanto quanto pra relações de trabalho, filhos adultos, amigos, relacionamentos em geral. Mas não me venha falar de zona de conforto quando o que você está fazendo é nada menos que destilar por aí o seu desconforto.       

A menos que você seja masoquista e passe a assumir isso publicamente, ou mesmo para si ou ainda para o sujeito de suas queixas, vamos combinar que “zona de conforto” não é exatamente o lugar em que você diz se encontrar agora. Entenda-se por conforto, como bem rezam os dicionários, bem estar, aconchego. Se não é isso que você sente ao explicar porque não se move rumo ao desconhecido, vamos considerar que pode estar mesmo acostumado com o desconforto. E isso acontece com mais frequência do que você e eu pensamos.  

Às vezes a gente pode não se dar conta que tem vivido sob o signo do desconforto há um certo tempo. Muitas vezes acostumados a sermos destratados, explorados, avacalhados, desprezados, a trabalharmos pra pagar as contas e nada mais do que isso, a sermos avaliados de forma mesquinha, obrigados a só dizer sim, a só recebermos amor e atenção em troca de algo, a (nos) perdermos, a escorregamos nos tapetes indevidamente puxados… que qualquer coisa que sai desse padrão parece pouco com a aquilo que chamados de zona de conforto.

Não vamos entrar aqui no mérito das possíveis causas para comportamentos do tipo. Isso a gente deixa pra os psicólogos decidirem, se é que servirá para algo no futuro.  Se você suspeita que a forma como seus pais o trataram ou deixaram de tratar foi ou é imperdoável, que aquela professora que fez com que você copiasse a mesma frase 200 vezes o deixou bloqueado, que seu primeiro chefe, que morria de inveja de você e por isso o tratava com desdém, o impede de crescer profissionalmente, ou ainda que as sequelas do último relacionamento  amoroso o tornaram  escaldado,  passe a duvidar de todas estas premissas.  Isso mesmo, duvide.

Bata o pé e diga a si mesmo que nada disso faz sentido. Que você é capaz de resistir aos desafios naturais, e ainda, segundo Darwin, estará contribuindo para que sua nova atitude seja herdada pelos seus sucessores, sem falar em seus contemporâneos, que terão mais condições de sobreviver às intempéries da vida do que os que se sentem confortáveis frente ao desconforto.  Portando, caso não consiga se mover em nome de si mesmo ou si mesma, faça-o em nome da evolução da espécie. No final, todo mundo sairá ganhando. Até você.  

 

11 de mai. de 2016

Depois do Foi Bom pra Você ?


Então vamos nós pra segunda parte da história, quando você terminou de viver um momento de puro êxtase, e reafirma “…então tá combinado é quase nada...” Volta pra casa sorrindo feito boba e passa o dia transpirando  as emoções e o presente basta em si mesmo. Sim foi bom, bem bom, pra mim.   

Você se sente grata por ter se permitido ser intensa, verdadeira, prazenteira.  Por reafirmar que sabe como conduzir horas que sejam de puro deleite, sem cobranças, sem culpa, sem limites desnecessários, e também com respeito e cafuné.  Até aí tudo bem, tudo sob controle.

Então uma hora dessas você não resiste e deixa escapar que as lembranças continuam a fazer festa em suas memorias (ahhhh, esses malditos aplicativos que mantêm a proximidade ao alcance dos dedos!) e o lado de lá replica com a mesma disponibilidade.   Foi bom pra você, foi bom pra ele. Mas e daí?
Daí que é sempre bom ouvir os sinos dobrarem e as borboletas girarem no estomago, mas a questão é que você passa a desejar mais. E haja borboletas e haja estômago.     

Chega então a hora que você descobre que esta brincadeira está tomando o seu tempo, roubando seu juízo, ocupando um espaço na sua rotina que estava quase totalmente voltado pras tempestades em copos d’agua que a assaltaram depois da baixa de hormônios ou para a sua coleção particular de bichos de sete cabeças. Sorte sua. Mas, imagina você, se agir rapidamente, dará tempo de retomar o controle da situação .       Faça me rir.

No máximo dá pra elaborar um discurso do tipo “deixa ver no que vai dar”. E aí, depois de mandar ver um papo reto com seu alter ego, vem um apelo: deixe. Deixe que as coisas se estabeleçam sem que você tenha que traçar um plano, seja de fuga ou de ataque. Deixe que os sentimentos se misturem e não se expliquem e te tirem do sério e desequilibrem tudo.  Deixe que o sabor da brincadeira te surpreenda e sapateie sobre as suas verdades. Desapegue de suas crenças baseadas em amores antigos ou recentes que sejam. Resista à tentação de perguntar à sua melhor amiga o que acha que você deveria fazer; ela também vai fingir que sabe como escapar ilesa de armadilhas do tipo. Não perca seu tempo e nem seu crédito com o divino fazendo promessas que você sabe que não vai cumprir, do tipo “esta é a ultima vez que…”.  

Enquanto isso, aproveite as boas vibrações do momento pra contagiar a sua rotina de novas conquistas. Se de fato você fizer questão de manter alguma coisa sob controle, que seja sua vida profissional, seu orçamento doméstico, sua relação com os que lhe são caros e com você mesma. Caso não viva sem fazer planos, que se empenhe em planejar sua próxima viagem de férias, aquele salto na carreira que passa pela aprendizagem de uma nova língua ou coisa que o valha. Se não sobrevive sem fazer promessas, que foque naquelas que você fez no início do novo ano, que incluiu, com certeza, dar início a um programa de atividades físicas ou uma dieta mais saudável em que você troca sem tanto esforço arroz por quinoa.   Fora isso, caro leitor, qualquer mania de explicação vai tornar você um arremedo de si mesmo. E, vamos combinar, a gente já não tem mais idade pra isso.  
 

 

 

 

 

22 de abr. de 2016

Aos Escaldados




 

Depois das 50 primaveras, não tem como ser diferente: nos tornamos escaldados. Já passamos dificuldades, experimentamos dissabores e então redobramos os cuidados pra que aquele sofrimento de outrora não nos roube o juízo mais uma vez. Não adianta. Mesmo que agruras semelhantes nunca venham a se materializar, o sentimento de que elas possam voltar e detonar o nosso (pseudo) equilíbrio é recorrente e muitas vezes nos torna escravos de um temor que entorpece.

Deve ser por isso que os consultórios psicológicos estão lotados de senhores e senhoras de meia idade e as happy pills venham sendo consumidas como nunca. Nada contra nem um nem outro. Eu mesma sou adepta de ambos e posso garantir que, junto a outras estratégias de sobrevivência, funcionam muito bem. Mas enquanto escaldados, nos fazemos reféns de um comportamento que se solidificou no passado e nos acompanha em situações que nada têm a ver com o que eventualmente aconteceu. E mesmo que tenham, são de fato outras circunstâncias. Mas vai explicar isso pro seu superego repressor.   

Vou ilustrar. Um dia um companheiro de longas datas decide ir embora sem dizer adeus. Sem mágoas implícitas; foi bem assim que aconteceu e já passou. Anos depois você se vê evitando relacionamentos duradouros que é pra manter o controle da situação. Pra não ver mais ninguém indo embora de fininho sem explicação plausível, afinal nem tem dado chance de um transeunte desavisado entrar de verdade em sua rotina por horas extras que sejam. Viver o momento é a máxima, não foi pra isso que você começou a meditar? Tudo sob controle, imagina-se, a não ser pelo fato da gente se acostumar a dormir com o medo de sofrer outra vez.   

Então você descobre que vai sim sofrer outra vez. E outra e mais outra. Porque sem dar a cara a tapa a vida se torna muito previsível e desinteressante. E descobre também que este sofrimento é inédito, não tem nada a ver com o que passou, e vêm junto com uma série de novos prazeres, quase todos imperdíveis. E que eles têm um preço. E que ao mesmo tempo também podem ser fortuitos e gratuitos. E que você não vai entender nada realmente sobre o que está passando e vai querer explicar o inexplicável. E não vai conseguir. Dai vai lembrar que já passou dos 50 e que isso pouco importa.       
Picture: https://br.pinterest.com/pin/398709373232759326/

21 de abr. de 2016

Sim, Somos Belas



 

Minha mãe bem me avisou, enquanto  me descabelava para por em dia as matérias escolares às vésperas de um vestibular, almejando uma carreira profissional promissora que me garantisse um oficio digno e bem remunerado, que o melhor emprego era mesmo um bom marido. Claro que não se referia a um homem belo, recatado e do lar, pois estes predicados eram certamente restritos, nos idos anos 80, às mulheres casadoiras. 

Provocada, promovia discursos em que quase sempre terminavam com uma exclamação indignada da genitora, que dizia: “esta tem cabelinho na venta”, e completava “vai chorar lágrimas de sangue”. Mesmo quando não era capaz de entender o que o tal cabelinho na venta significava pra valer, me negava a aceitar que algo muito ruim estava necessariamente destinado àquelas mulheres que ousassem transgredir a ordem de um tempo que já havia passado. Teimosa, paguei pra ver.

As lágrimas de sangue acabaram por vir, pra mim, pras recatadas e recatados ou muito pelo contrário, obviamente por motivos distintos. Não me consta que alguém escape das agruras inerentes `a nossa condição de passageiros de uma fração do tempo, sejamos nós do lar ou não.  A propósito, sou do lar, ou melhor, dos lares. Embora tenha vivido até então em 28 moradias ao longo de um pouco mais  de meio século e  investido firmemente no sonho da asa própria, me divirto em distribuir cores pelos vãos da sala de visitas, criar sabores inusitados na cozinha que me cerca e onde são mais que bem-vindos aqueles que prezo,  organizar em caixinhas de todos os tamanhos minhas bugigangas e papéis que contam histórias. Sem falar que sinto prazer em perfilar os livros que mais gosto em estantes, mesas de cabeceiras e banquinhos ao redor da casa.  Mas sou também da rua; adoro bater perna sem rumo e nem hora pra voltar.  

Agora, vamos combinar que, recatada, nunca fui. E que, não sei porque, é impossível lembrar de um momento sequer em que o tal recato tenha me feito falta.  Me ressentiria por certo caso o respeito ao próximo, a integridade e a capacidade de me maravilhar, traços de caráter que admiro,  fugissem de minha alçada. Mas o recato, confesso, muitas vezes me assusta. Especialmente quando é indicado como sinônimo de decência, honestidade e decoro e então usado convenientemente por homens e mulheres para legitimar as suas próprias faltas.

Recato nada tem a ver com o empenho em proteger a sua própria reputação, como rezam os dicionários. Ao contrário, pode mesmo comprometê-la seriamente.  Com quantas chicotadas se faz uma mulher recatada? Com quantos mil reis? Quantos segredos se escondem sob mantos, vestidos compridos e véus? Quantos centímetros de pele expostos para justificar um estupro?  Quantos sins ainda serão proferidos no lugar da vontade de dizer não e vice versa?    

Não foi à toa que virei noites a fio e bati boca pra me livrar de um estigma que ainda compromete o caminhar de tantas mulheres ao redor do mundo e sobrevive, muitas vezes impune, nos porões de  sociedades machistas.  Não foi à toa que encorajei minha filha a valorizar a sua própria existência e seus desejos e se lançasse em busca de sua plenitude, mesmo quando a sociedade parecia não estar de acordo com suas escolhas. Não, não foi à toa que mostrei a meu filho que por trás de toda aparente fragilidade feminina há um admirável e incessante ser que pulsa e pensa, se supera e move o mundo; e não foi com palavras que isso se deu. Não é à toa que sou grata a meu pai por não permitir que eu me rendesse a normas descabidas que me desvalorizassem como ser humano e a minha mãe que, finalmente, se convenceu que minhas escolhas eram legítimas, embora não convencionais.     

Sim, somos belas. A revelia do que escolhemos para vestir e de como construímos e recriamos relações baseadas no respeito mútuo, na forma como nos lançamos sobre os nossos sonhos e buscamos o próprio prazer, na maneira como nos desdobramos em facetas que se sobrepõe e nos fazem encantadoras, mesmo quando exaustas. Podemos ser do lar ou não, desde que isso nos dê e gere satisfação e intensifique a nossa plenitude. `As recatadas de plantão, minhas desculpas, mas não me representam.


"Eu sou à esquerda de quem entra. E estremece em mim o mundo.
(...) Sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro.
Sou um coração batendo no mundo." 
 Clarice Lispector

9 de nov. de 2014

Sobre o Suposto Orgulho Hétero- Para além da semântica

Amizade a parte, meu caro amigo, preciso falar-lhe a respeito do que vem chamando de orgulho hétero. Mais que uma inadequação semântica, pasme, o que você sente não é orgulho. Você se sente aliviado.  

Sentir atração pelo sexo oposto não é necessariamente uma escolha sua, assim como nunca foi escolha minha. Desde sempre nos identificamos com os personagens héteros, esmagadora maioria, que habitam os livros, a telona, a telinha, os almoços de domingo dentro dos armários... as historias em quadrinhos. Por isso e por uma série de outros motivos do gênero, não senti uma vez sequer orgulho por ficar arrepiada ou enrubecida diante de um exemplar da espécie masculina que me causou interesse, este muitas vezes inexplicável. O máximo que tive que driblar foi a falta de cerimônia de alguns palpiteiros de plantão a comentar sobre a quantidade e/ou qualidade de meus relacionamentos, todos eles héteros. Repito, não vejo como posso ter sentido orgulho por não ter me apaixonado pela filha da vizinha ou uma colega de classe.  Isso simplesmente nunca me ocorreu, simples assim.   

Por outro lado, observei comovida a história de amigos e familiares que, ao contrário do que eu havia experimentado, sentiam atração pelo mesmo sexo e muitas vezes desdobravam-se em culpas e desculpas para explicar e justificar o que nem eles conseguiam a princípio entender. Sim, era um alivio não ter que mentir para mim mesma e para os que me cercavam sobre minha orientação sexual. E que bom poder demonstrar carinho explicitamente em qualquer lugar por onde passava com o sujeito do meu amor. Que delícia sonhar com uma família igualzinha aquela que via nas propagandas de margarina: pai, mãe e filhos, uma menina e um menino, já repletos de nomes imaginados quando eu ainda era adolescente. Sim, um verdadeiro alivio. Orgulho nunca.

Orgulho tenho eu de meus feitos duramente conquistados. Daquilo que a princípio parecia ser impossível realizar e que, determinada, fiz acontecer. Orgulho sinto quando penso nas vezes que resisti aos apelos da maioria e mantive no bolso todas as pedras feitas pra atirar sobre o meu próximo, estivesse este próximo ou não; por não me sentir impelida a explicar aos entes queridos que, sim os amo, mas não amo as suas escolhas; por não me dar ao direito de decidir se amo ou não as escolhas que não são definitivamente da minha conta.    
Muitas vezes também sinto alivio. Alivio por não trazer comigo a marca do ódio e da intolerância, por ter aprendido em casa a amar incondicionalmente; por ter nascido em uma família e conviver com um grupo de amigos que, em sua maioria, não sente orgulho daquilo que não fez por onde merecer. Alivio por ter tido a chance de conhecer por dentro muitos armários abertos e por, muito cedo, ter descoberto que aqueles que o habitaram um dia são tão dignos de respeito e de admiração quanto os que cresceram fora dele.

E você, caro amigo, ainda que aliviado, bem que podia começar a pensar em sentir orgulho um dia por ter se permitido lançar um novo olhar sobre as diferenças e passar a distribuir promessas rumo a um mundo plural. Isso sim, seria um alivio!

22 de dez. de 2013


Querido Papai Noel

Este ano não vai ter presente; não fui uma boa menina, eu sei. Mas mesmo assim segue esta cartinha, que é  pra não parecer que guardo rancor do ano que passou.

O senhor já se desculpou por não ter trazido o que me prometeu no ultimo Natal. Sei que andou de fato ocupado e que reconhece que fui obediente anos e anos a fio e por isso merecedora de um saco repleto de desejos. Mas a mania de colocar a culpa nas renas, na verdade desta vez não me pareceu muito convincente. Isso é que dá ser metida a boazinha, todo mundo acha que pode usar as desculpas mais esfarrapadas pra justificar seus feitos e mal feitos. 

Porém, como já disse mágoas a parte, este ano, Papai Noel, não tem discussão; vamos direto ao ponto. Na falta de presentes- já disse que sei não merecê-los, me traz um saco bem grande, mas dessa vez cheio de futuros, assim mesmo no plural, que e o que convém as meninas que ainda sonham acordadas.

Sinceramente,

 Adriana


 P.S. Nem precisa embrulhar pra presente, que é pra eu usar assim que acordar.

18 de dez. de 2013

RetroPerspectivas






10 Lições aprendidas em 2013 que podem  tornar 2014 um feliz ( ou pelo menos mais promissor) ano novo

 

- Príncipes também se transformam em sapos. O mesmo se aplica as princesas.  Isso pode acontecer da noite pro dia ou vice - versa. Continue acreditando em príncipes e princesas. E em sapos e sapas. São faces da mesma moeda. 

 

- E muito difícil, no auge de uma crise de qualquer ordem, acreditar que aquilo que por ora nos surpreende e nos aflige vai  passar um dia. Mas a verdade e que, sim, tudo passa.  Isso não quer dizer que não vai doer. Mas não dói pra sempre da mesma maneira. Nem no mesmo lugar. 

 

- Tem coisas que só o seu travesseiro deve saber acerca de seus sonhos e também de suas dores. Não necessariamente nesta ordem. Os travesseiros de pena tendem a ser os mais confiáveis. 

 

- Quando tudo parece perdido existe uma grande chance de que de fato isto seja verdade. Acredite em sua intuição, em um amigo leal e, e claro, nos fatos. Estes últimos  são quase sempre muito claros. Os dois primeiros também. 

 

- Em meio a uma crise, por mais violenta que seja, e possível se deixar maravilhar por aquilo que eu chamo de pequenos milagrinhos. Depois da crise, estas coisas costumam crescer, ficar mais evidentes e se tornam pano de fundo de um novo tempo. 

 

- Em plena queda-livre ha sempre o risco do seu paraquedas não abrir. Neste caso, você acaba descobrindo que já sabe voar sozinho. E que gosta disto. 

 

- Quase todo mundo acha que sabe como você deveria reagir em uma determinada situação. Se eu fosse você eu não daria a mínima para isso. Mas definitivamente eu não sou você. 

 

- Você não e o centro do universo; seus problemas são detalhes quando comparados com o resto da humanidade; todo mundo passa por situações difíceis; de tudo se tira uma lição. Você bem que concorda com as premissas acima, mas na hora do “pega pra capar" sente-se como o ultimo sofredor vivo. Esta bem se pensar assim.  Mas não mais que por 24 horas. 48 em casos extremos. 

 

- Dizem que o tempo cura tudo. Mas para isso este tem que encontrar você devidamente ocupado e literalmente sem tempo pra alimentar o problema. Não dê tempo ao tempo. Aproprie-se dele. 

 

- Não faz diferença como você chama ou deixa de chamar a forca que nos rege. Vão existir momentos, breves que sejam, em  que você vai ter certeza de que o melhor ainda esta por vir, mesmo sem ter ideia de como isso vai acontecer ainda.  Então pode chamar isso de fé. O resto também e mistério.

25 de jul. de 2013

Dinheiro Fácil


 
 
Há quem diga que dinheiro fácil é aquele que se ganha sem maiores esforços, seja uma herança inesperada ou não, uma troca de favores com direito a um bom emprego vitalício em que não se bate ponto nem na entrada, nem na saída, ou ainda o sonhado prêmio da Mega Sena acumulada, sem ter que dividi-lo com ninguém, nem com outro apostador, muito menos com parentes e/ou amigos financeiramente desamparados, para ser politicamente correta. Porém, há quem garanta que as benesses do tipo quase sempre vem acompanhadas de muitas dores de cabeça e que não há dinheiro no mundo que cure tamanho transtorno. Mesmo sem ter experimentado sensação igual, arrisco um palpite: dinheiro fácil e aquele que a gente ganha fazendo o que gosta.

Não que nos últimos meses eu tenha feito apenas o que gosto. Para sobreviver, até bem pouco tempo atrás, estive exposta a toda sorte de atividades, a ponto de manter em meu carro uma cabine parecida com a do Clark Kent, onde trocava de roupa, de bolsa, de material de trabalho e até de sorriso, antes de pegar a capa e sair voando por ai. Acho inclusive que por isso tenho valorizado mais e mais as atividades atuais, que faço com entusiasmo e prazer a ponto de me pegar pensando que até aceitaria pagar pra dar hora extra. Exageros a parte, quando se faz o que se gosta na área profissional, a sensação é de que o trabalho em si também é parte do pagamento. Mas ninguém falou aqui que está disposto a abrir mão dos rendimentos materiais que nos permitem, entre outras coisas, arcar com as necessidades básicas de qualquer ser humano em nome da paixão pelo que se faz.

Sem essa de dizer que o trabalho vocacionado tem que ser feito de graça ou quase isso. Não conheço ninguém que faz o que gosta que não se ofende com o discurso de chefes de estado ou de empresas que fazem chantagem sentimental do tipo. Até porque nenhuma destas supracitadas criaturas abririam mão de parte sequer de seus fartos rendimentos em nome do prazer. Na verdade, fazer o que se gosta, em qualquer área profissional, deveria ser critério indiscutível pra admissão de candidatos ao emprego. Um currículo recheado de títulos, experiências de todo tipo, viagens e intercâmbios, proficiência em outras línguas, são de fato aspectos incontestáveis na hora de se avaliar o aspirante a vaga. Mas se não gostar do que faz e/ou se simplesmente o faz em nome do salário promissor deveria contar apenas com este último, já que parece ser tudo o que almeja.

Ao contrário, aqueles que fazem o que gostam e o fazem bem, deveriam ser agraciados com alguns benefícios extras além das obrigações empregatícias e da alma repleta de prazer. Pois é disso que se alimenta e explica o espirito e o consequente desempenho de quem faz o que gosta: de sonhos, de novas paisagens e encontros, de um olhar mais demorado sobre as coisas que trazem a marca da diferença e originalidade...

A exemplo do Bolsa Família, que dá direito a comida, transporte, gás e algum dinheiro extra a cidadãos da classe desfavorecida no Brasil por cada filho que frequenta a escola pública- sim, deve ser um esforço sobre-humano convencer nossas crianças e jovens a frequentar um ambiente escolar com tão poucos recursos de toda ordem; um bom sistema público de educação, quem sabe parcialmente financiado com o dinheiro gasto por este próprio programa, já seria em si um convite a participação deles na escola, bem que poderiam criar o Bolsa Deleite. Este programa ofereceria vale viagens culturais, vale educação, diversão e arte com incentivo `a participação em cursos, espetáculos teatrais, cinema, visitas a museus, assinaturas de revistas, acesso a leitura de livros... todos gratuitos, a funcionários que trabalham com amor (e não por amor), incluindo também vale gás, para que nos dias em que a desmotivação batesse de frente, cidadãos apaixonados pelo que fazem, recebessem um combustível extra em forma de pão do espirito para não deixarem de manter a alma devidamente alimentada.

Pois pelo que me consta, alguém que acha que dinheiro fácil é aquele que se ganha fazendo o que gosta, não está livre do pagamento de impostos ou de suas responsabilidades financeiras e pessoais e muito menos disposto a vender a alma cheia de louváveis predicados aos gananciosos de plantão, sob o risco de ficar ao mesmo tempo sem dinheiro e sem credito consigo mesmo.
 
Pictures:"When you cannot make money out of art, you made it become one."

30 de set. de 2012

Com Pimenta e com Afeto




Querido Dr. Gilton



Há duas semanas, me deparei com um simpático vidrinho de pimenta vermelha; tão pequeno, que cabia na palma da mão, o suficiente para uma única refeição. Estava disponível, junto a outros tantos, sobre uma bandeja de temperos em um restaurante e, por alguma razão que não se explica, me chamou a atenção; não que àquela altura eu desejasse qualquer sabor adicional ao paladar. Desde que provei do saboroso molho de pimenta que o senhor prepara com especial talento, nunca mais dei bolas para qualquer outra marca disposta nas prateleiras de um supermercado ou em uma banca de feira que seja; o sabor da sua iguaria é incomparável e há um exército de amigos, de nacionalidades diversas, que hão de concordar em uníssono.

Porém, o vidrinho, miniatura de uma tradicional embalagem, fez brotar um sorriso em meu rosto e me trouxe lembranças da pessoa querida, de caráter irretocável que, além de ser o maior preparador de molho de pimenta que conheço, é também o mais cativante de todos os sogros, o hóspede mais agradável, o companheiro de viagem mais disponível...e esposo dedicado da igualmente gentil e querida Ilsa.


Apertei o tal vidrinho com força entre os dedos e a palma da mão e então fiz dois pedidos. Desejei que aquele momento não fosse em vão, ao contrário, que a sensação de que estávamos incondicionalmente próximos fosse permanente e, mais que isso, que Marcus, ao conhecer os segredos daquele frasco cheio de analogias, pudesse ter a mesma certeza: há coisas que não passam.


Um beijo carinhoso,


Adriana, "sua escritorinha"

Escrito  e enviado por email em 20 de abril de 2011. Revisitado com saudades no dia de hoje, em que ele se transferiu para outra dimensão mas , como eu havia mencionado, jamais passará.

29 de jul. de 2012

Bagunça pra Chamar de Eu


 Dizem que quando eu era garota e arrumava minhas gavetas, ficava muito brava quando as abria de novo e observava que o conteúdo destas não estava mais no devido lugar. Chegava a esbravejar perguntando quem havia feito tal desfeita comigo depois de tanto trabalho para alinhar as roupas, umas sobre as outras, com capricho que beirava a perfeição. De nada adiantava minha irmã explicar que o simples movimento de abrir e fechar as gavetas causava tal desastre natural.  Demorou um certo tempo e algumas sessões de análise para que eu entendesse que o ir e vir das roupas na gaveta, a principio arrumadinhas e sob meu controle, não representava mais do que uma metáfora do que eu ia ter que enfrentar na vida adulta. Sem falar em outros tantos anos para que eu aprendesse a tirar proveito disso.
Hoje, quase meio século abrindo e fechando gavetas, posso dizer que, às vezes, ainda gostaria de ser a feiticeira do seriado dos anos 70 e torcer o nariz para ver, em segundos, tudo arrumadinho e funcionando perfeitamente ao meu redor.  Mas parece que isso não apresenta a menor graça. Ia me sobrar muito tempo para preencher com outras coisas de gosto duvidoso, como discutir a relação, tentar interpretar citações aparentemente despretensiosas nas paginas virtuais dos filhos, contar as ruguinhas e manchas senis na pele que insistem em se multiplicar ( odeio fazer contas), pensar que no lugar de fulano ou cicrano eu faria desta maneira e não daquela, me atolar no trabalho pra espantar o fantasma do ócio, criativo que seja, ou armadilhas do tipo. Definitivamente, tolerar a nossa própria bagunça, no plano interior ou físico, nos livra de certos atos de soberba desnecessários, eu diria, disfarçados de boas intenções.
Então comecei a chamar de baguncinha redentora aquela que a gente mantém pra não perder a noção de que temos todos um cantinho de desordem pra chamarmos de “meu” e que também atende pelo nome de “eu”.  Um dia a gente percebe que, enquanto se está em condições de ver o tempo passar, melhor aceitar que as coisas saem do lugar, assim como as pessoas, o que elas pensam e como agem, pra não corremos o risco de nos enterrarmos vivos ou, na melhor das hipóteses, desenvolvermos uma úlcera crônica que nos incomodaria tanto quanto aqueles ao nosso redor.
Desta forma, faz uns dias que minha sala de visitas ficou parecida com um ateliê de artes e eu resisti bravamente à tentação de fazer promessa para o milagroso São Aspirador de Pó ou fazer novena pra Nossa Senhora da Poeira Debaixo do Tapete. Deixei que as telas e os pincéis me convidassem para um passeio, desviei sem reclamar das caixas de tintas dispostas displicentemente entre o sofá e parede, me diverti com as cores e texturas que lancei sobre o branco e cobri de tantas camadas quanto desejou meu olhar cada vez que por ali passei.
Minha sala não é mais a mesma. Nem eu. Algo me diz que as minhas gavetas vão ter que buscar ajuda profissional ,caso insistam em me ver dando chilique cada vez que, ao se abrirem, apresentarem uma nova disposição para a arrumação de outrora.  

28 de mai. de 2012

O Que Voce Anda Fazendo?



A pergunta sobre a tela do computador em um despretensioso bate papo virtual parecia corriqueira. Não creio que a amiga distante quisesse saber o que eu era capaz de fazer enquanto andava por aí, mas foi bem assim que a imagem me veio à cabeça: a malabarista do dia-a-dia, cumprindo com tarefas de toda ordem enquanto caminhava, meio trôpega, tentando manter as duzentas bolas de tamanhos diversos no ar e seguindo a marcha da rotina, em meio às vinte e quatro horas oferecidas gentilmente pelo senhor do tempo aos homens de boa vontade e contas a pagar.

Ultimamente estava mesmo andando a fazer muitas coisas ao mesmo tempo e, pior, sem terminar quase nada do que me propunha a cumprir. Muitas vezes levantava para fazer algo e no caminho me distraia com tantas outras tarefas, até voltar para o local de partida e constatar que não havia feito o que primeiro me veio à cabeça. Tudo culpa dos hormônios, eu diria, estes batendo em retirada sem a menor cerimônia, causando uma bagunça terrível no estar intimo de minha casa interior. Mas esta desculpa estava ficando cada vez mais esfarrapada, afinal eu bem sabia que daqui para frente, apesar da bem intencionada ajuda da medicina, eu que cuidasse de dar um jeito de continuar caminhando sem me esborrachar ladeira abaixo antes da hora.

Então expliquei à velha amiga, que me compreendia muito bem, que andava fazendo planos. Literalmente. Por onde andava, fazia planos. Dentro de casa, no caminho para o trabalho enquanto dirigia, sendo transportada por um trem, na frente do computador, ao falar ao telefone, quanto me equilibrava em um monociclo sobre um barbante e exibia ao mundo minha destreza com jogos malabares, entre uma distração e outra... quando dormia e sonhava.
Sim, eu andava sonhando e fazendo planos.  Pelo menos isso os tais hormônios não levaram consigo quando fugiram e bateram a porta dos fundos sem deixar um recadinho sequer. Por outro lado, acabaram levando por engano a minha habilidade para realizar os sonhos que sonhava. Fica aqui, portanto, um apelo aos que conviveram de perto com esta malabarista que vos fala. Caso encontrem por ai aquela cartola mágica que atende pelo nome de esperança, segura firme e me liga que eu passo ai pra pegá-la.
E você, o que anda fazendo?

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Sobre a ilustradora do post, encontrada por acaso e com muita alegria nas teias virtuais:
Picture by Sandi FitzGerald
Toronto, Ontario,
Canada

O blog dela: kittyjujube.blogspot.com


11 de mai. de 2012

Um Beijo e um Abraço


Já faz muito tempo, mas me lembro que costumava ficar irritada quando, com certa antecedência, minha mãe anunciava que já tinha providenciado o presente que nos daria em uma data comemorativa vindoura qualquer: “Um beijo e um abraço”. Se estivesse naqueles dias, repetia com uma ponta de provocação “Um beijo e um abraço e... olhe lá!”. Claro que era tudo lorota; certamente uma maneira de nos manter esvaziados de expectativas. Mais que isso, era um jeito de pedir carinho que só vim a entender muito depois, mais precisamente nos últimos meses.

O tempo passou e aqui estou eu a pensar em como responder sem dar um ar de falsa modéstia à previsível pergunta às vésperas de mais um dia das mães: “O que você quer de presente?”. A resposta está na ponta da língua: “Um beijo e um abraço!” E que esta sirva para todas as demais datas: aniversário, incluindo o de casamento; Natal; dia do amigo, dos namorados... já antecipando até o dia da avó, se este for o caso no futuro.

Envolvida em  mais uma adaptação em terras estrangeiras, em meio a novos amigos em fase de reconhecimento; à filha adolescente que não sai por aí distribuindo afeto à toa; ao filho, irmã e sobrinha que moram algumas muitas horas de distância daqui; aos enteados que estão do outro lado do oceano; aos irmãos, familiares e amigos de uma vida toda a quem posso ver e ouvir graças às benesses das novas tecnologias, mas cujo cheiro e calor me fazem uma falta enorme, confesso que um beijo e um abraço tá mais pra gênero de primeira necessidade do que pra capricho.


Nem pense que estou me fazendo de boazinha. A verdade é que não me consta que quem faz a pergunta esteja esperando uma resposta do tipo “Quero uma viagem à Itália com tudo pago, com direito a uma paradinha em Paris antes de pegar o voo em Londres de volta para casa” ou quem sabe ainda “Quatro ou cinco noites que sejam em alguma ilha paradisíaca qualquer, sem a possibilidade de acessar o celular e nem precisar lavar louça ou fazer a cama “... Melhor do que isso, eu diria sem titubear, só um beijo e um abraço demorado de quem a gente quer bem!


10 de mar. de 2012

Branco que Te Quero Multicor


Lembro-me que quando menina ficava a esperar meu pai chegar do trabalho à noitinha. Escolhia estrategicamente um lugar para brincar perto da porta da frente, só para ouvir o barulho da chave girar na fechadura e então correr para o abraço. Nosso amor era assim mesmo, barulhento, indisfarçável. Ele me rodava no ar e gargalhava, como se também estivesse esperando por aquele momento atrás da porta.
Na mão trazia uma pasta, daquelas executivas, com chavinha e tudo, embora esta nunca estivesse trancada. Depois do abraço ele a abria e vez por outra trazia algo especialmente encomendado no dia anterior: uma revista, um pirulito que fosse, algo que viu pelo caminho de casa oferecido por um vendedor ambulante... era sempre uma bem-vinda surpresa!
Em um desses dias- meu pai contava esta história com uma ponta de constrangimento- lá estava eu, olhos atentos depois do abraço, a espera do que sairia daquela pasta que mais se parecia com uma cartola de mágico. Foi feito suspense; ele dizia que trazia algo muito especial para mim que eu nunca havia recebido antes. Para falar a verdade, não me lembro deste dia e nem do que se seguiu depois disso. Mas, segundo meu pai contava, quase como uma confissão de culpa, ele pretendia fazer uma brincadeira, pois o que na verdade trazia na tal pasta era uma folha de papel comum, branca, sem atrativo ou diferencial algum. Chegou a se preparar para um segundo abraço, já contando com minha frustração frente ao suposto presente, aparentemente sem sentido algum.
Mas não foi nada disso o que aconteceu. Ao ver a folha de papel vazia, saindo daquela pasta mágica, dei pulos de alegria, saltei em seu colo agradecida e corri para buscar minha caixa de lápis coloridos para começar a desenhar meus sonhos sobre ela. Aquela não era uma folha comum, nunca seria. Tudo o que vinha de meu pai trazia em si uma promessa.
Desde então acho que busco as folhas vazias como quem ainda deseja presentes. Desde então desenho florzinhas e bolinhas, arabescos e listrinhas em espaços vazios nas agendas e calendários... Desde então sou grata ao meu pai por cada vez que transformo uma folha em branco em um texto, uma carta, uma pintura, uma lista de planos para o futuro, uma frase solta que seja.
Não me lembro se dediquei aquele desenho ao meu pai; talvez tenha colorido aquela folha com coraçõezinhos e frases de amor, como o fiz tantas vezes ao longo de minha infância. Talvez não. Mas com certeza, de alguma forma, cada espaço que preencho, cada investimento, cada conquista, os momentos de superação, são todos dedicados a ele, que sempre me acenou com folhas em branco, na certeza de que eu colocaria minhas cores e nuances sobre elas.
Que venham então as folhas em branco!

21 de jul. de 2011

Pessoas "AS-IS"




Acho que já revelei minha paixão por lojas de usados com tudo o que estas oferecem, incluindo os ávidos e invisíveis ácaros, passeando lépidos nos vãos de tecidos embolorados, e também a energia de sobra que emana no ambiente, fruto das histórias que cada elemento ali disposto tem pra contar. Gasto então horas a fio, olhos atentos, buscando algo que me faça sorrir. Quase sempre saio de lá às gargalhadas. Fico me perguntando por que alguém teria se desfeito de certos objetos tão cheios de charme, adquirido outros de gosto pra lá de duvidoso e me divirto buscando respostas, quase sempre improváveis. Mas quem se importa?

Alguns destes objetos, em geral os eletrônicos, trazem uma etiqueta de cor chamativa que informa “AS IS”. Em inglês, isso significa expressamente que o produto ali oferecido está sendo vendido tal e qual ali se encontra e o comprador deve assumir todo e qualquer risco no caso de um possível mau funcionamento do mesmo. Uma vez decidido a levar este para casa, não pode mais reclamar, tem que assumir por sua própria conta algum reparo, caso não venha a funcionar a contento. Baseada em minhas próprias experiências, quase sempre é possível achar bons negócios no terreno dos “AS IS”, mas é bem verdade que tomar riscos, a meu ver, não é propriamente um problema.

Assim na loja de usados como na vida. Tenho constatado que as pessoas que habitam meu mundo, aquelas em que mais confio e têm marcado presença de maneira significativa em minha rotina, são as que trazem na alma, como eu, uma etiqueta “AS IS”. Nem me lembro mais exatamente quando e onde as encontrei, afinal de contas, mesmo em se tratando de alguém que conhecemos de longas datas, tem um dia em que pessoas deste tipo simplesmente se reconhecem. Há as que trabalham juntas, saem de vez em quando, quem sabe toda semana, se reúnem no Natal, no jogo do Brasil, freqüentam as mesmas festas de aniversário, trocam emails e torpedos, fazem parte do mesmo grupo social, mesma família...mas ainda assim não é garantia de amor incondicional . Quase sempre isso só acontece quando uma das partes está precisando de um apoio extra, afinal ser feliz quando está tudo em paz é bom demais, mas não dá direito a levar a tal etiqueta de “AS IS”.

As pessoas “AS IS” , quando se encontram, se aceitam do jeitinho que são. Se comprometem a assumir todo e qualquer risco para manter o bom funcionamento da relação, apesar das diferenças, dos humores, da TPM, da concepção de mundo e de Deus, da falta de tempo, da distância, da opinião do outro, da conta bancária... e mais, são livres pra falar o que pensam , sem esperar que a outra parte venha necessariamente promover uma mudança na maneira de agir ou pensar por receio de ser removido do caderninho de endereços ou da caixa de mensagens que seja, quando não da própria vida.

Faz algum tempo que decidi tatuar em minha alma uma etiqueta “AS IS”. Só pra ter a certeza de que posso continuar a ser singular e ao mesmo tempo aberta para repensar possíveis e bem-vindas mudanças em minha vida inspiradas nas lentes com que o outro vê o mundo, desde que sejam na medida de minhas possibilidades e desejos.

Afinal, caso não esteja satisfeito com uma pessoa “AS IS” que encontrou nas prateleiras do dia-a-dia, devoluções são aceitas naquele mesmo lugar, embora sem direito a recompensa de qualquer ordem. Sem dúvida, há de surgir em breve alguém a se perguntar por que haveriam de ter deixado tal interessante alma dando sopa por ali.

8 de jun. de 2011

Minha Vida em Preto e Branco




A pergunta me pegou de surpresa:

“Mãe, quando a sua vida era em preto e branco, você tinha que ir à escola?”

Imediatamente me dei conta de que, aos olhos de minha filha, à época com quatro anos de idade, eu havia vivido alguns dos melhores anos de minha vida em um cenário monocromático, tal e qual revelado em algumas de minhas fotos de infância. Pior, afirmei que tinha sim que ir à escola, onde a professora usava um giz branco para escrever em um quadro negro coisas que nós alunos tínhamos que copiar com um lápis preto em um papel branco.

Não havia dúvida alguma que faltavam cores em meio às poses, quase sempre pouco naturais, das pessoas retratadas naquelas fotos sobre a mesa. Mesmo assim, eu as olhava com uma ternura comovente e fingia lembrar exatamente os tons e matizes de cada elemento ali capturado, como quem obedece ao comando imaginário disposto no canto superior de cada foto: “Para Colorir".

Olhei pra ela de novo e sorri. Pensei em falar sobre as cores que eu podia ver sobre as fotos, enquanto meus dedos corriam sobre as mesmas...”Veja, o portão era vermelho, este vestido era azul turquesa com detalhes brancos, a frente da casa ...”, mas seria em vão. Se havia algo nesse mundo descolorido que me encantava era um certo ar de mistério que prescindia as palavras, as explicações; nada parecido com a versatilidade dos smart phones, a precisão dos GPS, a praticidade dos microondas, o alcance das redes de relacionamento virtual, as fotos coloridas, digitalizadas e retocadas graças ao Photoshop, enfim, um mundo com cheiro de novo, certamente bem-vindo, eu diria.

Além disso, havia a certeza de que, no futuro, minha filha haveria de tirar vantagem do fato de que aquela mãe ali presente, e finalmente em cores, tinha mantido a fechadura da alma no estilo retrô, com um buraquinho sempre aberto, convidando-a a espiar as tonalidades do que ficou pra trás, na época em que minha vida era em preto e branco.


Picture from: http://www.layoutsparks.com/1/67786/lost-key-hole-eye.html

16 de mai. de 2011

Sobre o que Dizem as Caixas- ou a razão de tantas mudanças em minha vida

Sempre gostei de caixas. Coloridas, de todos os tamanhos, lembranças de tempos, lugares e pessoas distantes ou não, cheias de compartimentos, reentrâncias, fechaduras e segredos. Algo me faz crer que, todas elas, uma vez abertas, começam a contar histórias, assim como as caixinhas de música deixam escapar uma melodia cada vez que levantamos a tampa em busca de pequenos tesouros.

As caixas que abro em meu porão de lembranças , uma a uma, me colocam no colo e falam baixinho de coisas que muitas vezes já havia esquecido, algumas que nem gostaria de lembrar e outras ainda que, embora velhas conhecidas, voltam a surpreender. A verdade é que, atenta ao que dizem, sempre demoro mais do que o previsto pra colocá-las dentro dos enormes caixotes de mudança, estes também cheios de mistérios, quando na iminência de mais uma partida.

Então é por isso que não posso deixar que as raízes cheguem a tomar o lugar das asas ... é preciso sair, de porto em porto, de porta em porta, levando minhas caixas pra passear...caso contrário, ficariam caladas para sempre.



Picture- K. Madison Moore Contemporary Fine Artist- inspirado em Picasso. Outros trabalhos do mesmo autor baseados em obras dos grandes mestres: http://l.wbx.me/l/?p=1&instId=51f03c89-a0ad-4b80-8d2d-9a7ba815f329&token=336d033310e24d5a2d12abf7ec3ebda2617da8fe0000012fee6c284f&u=http%3A%2F%2Fwww.kmadisonmooreartistportfolio.com

25 de mar. de 2011

A Mola no Fim do Poço





Dizem que no fundo de todo poço existe uma molinha e que esta, quando atingida, nos impulsiona de volta à superfície, livres e lépidos. Mesmo estando ainda em plena queda livre, aqui me encontro, disposta a falar mais de molas do que de poços; o problema é que chegar ao fundo destes leva um certo tempo e aguardo impaciente o momento do impacto, quando fatalmente serei impulsionada rumo ao caminho inverso àquele que me levou escuridão abaixo.

Você pode chamar a molinha como quiser, ela atende pelo nome de providência divina, acaso, segredo, anjo da guarda, pensamento positivo, fé, merecimento, destino...e outros tantos apelidos, todos justificadamente carinhosos. É que quem experimenta a queda, durante seu aparente interminável trajeto, aprende a manter contato profundo com um mundo invisível, onde habitam personagens muitas vezes desconhecidos, a começar por você mesmo.

Antes da tal molinha aparecer, a gente passa a conviver com sensações nem sempre bem-vindas: o choro vem fácil, o mundo vai acabar, todos parecem mais irritantes do que nunca, mais lentos, mais ingratos, comumente ineficientes...os talentos pessoais desaparecem , óbvios que sejam; nada parece excitante, saboroso ou convidativo. Dormir é sempre visto como uma boa saída; mas quem falou que o sono vem fácil para todos aqueles que caíram no tal poço?

Porém, um belo dia, sem qualquer aviso prévio, pelo menos não daqueles que vêm por escrito, a gente dorme miserável e acorda bem cedo com uma esperança surpreendente; é que quando se chega num certo ponto do poço, atinge-se a superfície da molinha e esta finalmente move-se para baixo com força diretamente proporcional ao peso do corpo e da alma ( sim, nesta época tudo isso fica ainda mais pesado) é então que algo nos diz que a queda está perto do fim.

Estar perto do fim não é o fim. Depois de meses caindo, ninguém está necessariamente preparado para vir à tona. Sim, porque quando a mola passa a atuar, sequer dá tempo de passar um batonzinho básico. É a hora do vamos que vamos ou se agarra na mola e fica ai pra sempre, meu bem. Melhor sair de cara lavada mesmo que ficar condenado a esperar resgate pelo resto da vida.

É sabido, contudo, que há quem prefira ali se instalar, travestidos de vítimas do mundo, chegam a ignorar as operações de salvamento. Outros desenvolvem hiper sensibilidade à luz e, quando na superfície, se lançam, aliviados, de volta à escuridão já conhecida.

Depois de um certo tempo caindo, é comum se começar a duvidar da existência das molas propulsoras. Mas, quando isso acontece, é só um sinal de que elas estão bem próximas e não tarda a hora em que virão em seu socorro. Diretamente do fundo do poço, provavelmente a poucos minutos de ser lançada para fora desse tubo escuro e frio, aceno com um sinal de esperança:

Yo no creo en molas propulsoras, pero que las hay, las hay


24 de fev. de 2011



Nos últimos dias me veio à cabeça uma frase que minha mãe costumava repetir enfática ao perceber que estávamos nós, bravos guerreiros, a ponto de desistir de lutar, tamanha a dificuldade ou o tempo gasto na batalha considerada perdida. Lá vinha ela, esbelta infante, com o comando na ponta da língua:

“A gente morre, mas não se entrega”

Talvez por isso eu tenha me dedicado mais a saber perder do que a abandonar as armas, embora hoje ponha em dúvida a vantagem deste feito. Sair da guerra à francesa, sem precisar cumprimentar o adversário pela vitória não me parece de todo mal, especialmente quando o inimigo é você mesmo.

Definitivamente, o front de batalha já não me atrai como antes, sequer tenho tempo para repor a munição e os tiros de festim, inofensivos, não fazem mais do que barulho em minha rotina, por ora repleta de caras pintadas a caçoar do meu velho pangaré.

Na batalha do eu contra eu mesma a bandeira branca, nunca hasteada, já se insinua, embora tímida. Por que não abreviar o tempo dessa peleia? Brincar de heróis da resistência só dá bilheteria em show de rodeio. Tudo o que eu queria agora era colocar os braços para cima e me deixar revistar, antes mesmo de ter que caminhar, trôpega, no meio do fogo cruzado.

Olho para os lados...meu exército se encontra tão camuflado que já não o reconheço. Vontade de cair pra trás e dormir 300 anos seguidos.

Mas a frase da minha mãe não me dá sossego e ecoa insistente: “morre, mas não se entrega, não se entrega, não se entrega, não se entrega...”


14 de fev. de 2011

"Esses Moços..."




Longe de achar que sou expert em romance, embora tenha uma ficha corrida repleta de dores de cotovelos, paixões arrebatadoras e ditas eternas, casamentos e seus desdobramentos, ciúmes infundados ou não, dias iguais, momentos excepcionais, vontade de sumir, desejo de fazer o tempo parar...

Ahhhh, o amor... hummm, a paixão.

Decidi portanto correr um risco: elaborar um despretensioso guia prático para jovens mulheres apaixonadas, entre elas, filhas, sobrinhas e agregadas. Claro que alertas do tipo não fazem efeito algum antes que se chegue aos 40 e nem sem que estas amealhem algumas desilusões no caminho, além dos dias de puro êxtase. Mas, certamente, vale a piada:

1- Seu parceiro NÃO vai se tornar príncipe quando você beijá-lo, muito menos depois do casamento. Se sonha com a realeza, ignore os sapos.

2- Quase sempre as mulheres vivem um dilema quando precisam escolher entre homens: lindos mas infiéis; românticos mas sem pegada; desatenciosos mas honestos e trabalhadores; sem tempo pra nada mas senhores de uma carreira promissora; bonzinhos mas intelectualmente limitados; perfeitos mas comprometidos, divertidos mas gays...e mais um milhão de combinações possíveis quando se tratam de contradições inerentes à espécie. Melhor aceitar que elas existem e decidir o que você espera do bofe HOJE...pois quando juntar as escovas a tendência do que vem depois do “mas” é se intensificar e do que vem antes é ficar perdido entre as almofadas do sofá da sala.

3- Se você acha que faz o tipo “eu quero você como eu quero”, escolha entre as categorias dissimulados, infelizes, previamente traídos ou desprovidos de atrativos físicos ou dinheiro no bolso. Ninguém, mesmo os supracitados, aguenta fingir por muito tempo. Se não escutam bem, no entanto, há uma chance de que suportem por um pouco mais de tempo a pressão externa.

4- Homem charmoso, elegante, inteligente, bem sucedido, honesto, companheiro, fiel, sensível, sensual e apaixonado, atencioso, tudo ao mesmo tempo, é o tipo de mercadoria que “tem, mas tá faltando”. E não me consta que as mulheres que estão em busca do mesmo sejam necessariamente igualmente qualificadas.

5- Se você quer ouvir que é amada, linda, elegante, inteligente, sensível e tentadora 24 horas por dia e seu parceiro não é do tipo romântico é melhor mandá-lo pro banco de reserva antes do final do primeiro tempo. Se é verdade que a gente não mexe em time que está ganhando o mesmo não se aplica para aquele que foi pra segunda divisão sem chance de voltar pra primeira nos próximos trinta anos. Os homens ditos racionais, por sua vez, devem procurar torcedoras que não se importem em sofrer pelo time do coração mesmo derrotadas; caso contrário, correm o risco de serem chamados de insensíveis pro resto da vida. Não, as mulheres também não vão mudar.

6- E pra terminar, vale acreditar na velha frase da vovó: “para cada panela, uma tampa”. Se você ainda não encontrou a sua ou está usando aquela que não foi exatamente feita pra você, pense se vale à pena perder tempo achando que uma das partes um dia vai ter que mudar pra atender às necessidades da outra. Com boa vontade a gente pode até fazer certos ajustes, mas pessoas, como as panelas e as tampas, quando não combinam, sob forte calor, terminam por deixar vir à tona elementos indesejáveis e difíceis de limpar no final. Afinidades e encaixe são fundamentais. Às pessoas e às panelas.