18 de nov. de 2010

Brincadeira de Criança é Coisa Séria

A pergunta veio rápida e me tirou de um momento profundo de concentração em meio às peças de um quebra-cabeças que jazia sobre a mesa:

- How old are you?

Em tradução literal, do inglês para português, a questão soa como "quão velha é você?". Não foi difícil responder. Até então, beirando os 50, a meia idade parecia bem-vinda. Tenho evitado conflitos com o tempo; talvez porque não acredite em milagres.

Respondi ao meu pequeno interlocutor e parceiro na montagem do quebra-cabeças que, sendo ele americano, chamava de puzzle:

- 47.

Após um interminável silêncio de 10 segundos, acompanhado de um olhar bastante indignado, vindo de um garotinho de 5 anos que havia gentilmente aceitado ficar quatro dias sob meus cuidados, não resisti à réplica

-Por quê?

Ele respirou fundo antes de responder, aparentando impaciência. Didaticamente, apontou para a caixa do jogo onde estava indicada a idade sugerida pelo fabricante para os supostos interessados em juntar aquelas peças: 5 a 8 anos. Devo ter ficado vermelha, caso contrário ele não teria murmurado de forma condescendente:

-It's ok. Go ahead.

Nem sei mais quantas peças coloquei depois disso. Meu senso de autoproteção insistia em me convencer de que, quando perguntou minha idade, o esperto garotinho não esperava por quase 40 anos a mais da idade limite ali determinada...quem sabe aos seus olhos eu parecia mais jovem? Foi quando o meu senso do ridículo gritou retumbante:

-Touché!



15 de nov. de 2010

Passarinhando

Não sei ao certo quando me tornei caçadora de passarinhos, nem tampouco porque as aves azuis me atraem especialmente.

Desprovida de estilingues, carabinas ou armadilhas, avessa às gaiolas, me atiro em busca pelos parques, à espreita, para que nao se intimidem com a minha presença.


Tudo em vão. Se tem uma coisa que os pássaros reconhecem de longe é gente que sonha em ter asas.



9 de nov. de 2010

Profecia


Já faz muito tempo que me emocionei ao receber um azulejo pintado das mãos do filhote, em um Dia das Maes comemorado na escola. Quem tem filho em idade escolar sabe que estes dias são planejados cuidadosamente para render lágrimas, abraços, beijinhos e até saudades de um tempo que nem passou...ainda.

Seja você do tipo durona ou manteiga derretida, não importa; nem que seja uma lagrimazinha vai acabar soltando enquanto procura seu filho em meio a umas duas dúzias de crianças e de professoras saltitantes, balançando cartazes, se movimentando desajeitado, buscando entonar a musiquinha às vezes de gosto duvidoso. E, mesmo assim, você chora comovida.

O azulejo trazia uma frase escrita em letra cursiva cuidadosamente traçada " Mamãe eu te amo muito. Filipe" suficiente pra fazer brotar um sorriso. Nem me detive ao desenho, caso contrário teria chorado mais um pouquinho, porque mania de antecipar o futuro é coisa que toda mãe tem .

Ontem, mexendo nas caixas de lembranças, reencontrei o tal presentinho e , desta vez, foi o desenho que me chamou a atenção. Lá estava ele, Filipe, em pleno voo, protegido por um para-quedas, não sei ao certo se partindo ou chegando. E pude reconhecer a mim mesma, ao longe, em frente de casa, respondendo ao aceno. Com licença pela livre interpretação, diria que intimamente feliz. Porque durante esse tempo em que o azulejo ficou escondido na memória, aprendi a admirar a iniciativa dos que se lançam em busca de seus sonhos, estejam eles aonde estiverem.

Vinte e dois anos depois que o coloquei em meus braços pela primeira vez, e outros tantos depois da profecia em forma de arte, posso dizer, não sem evitar mais algumas lágrimas daquelas que fluem fácil, que tenho muito orgulho do filho sensível, dedicado, generoso e cheio de talento que, entre idas e vindas, sempre me encanta. Que este seja, portanto, mais um feliz aniversario!

8 de nov. de 2010

Verde que te quero Amarelo e Alaranjado



Sem olhar para os lados, procurei rapidamente os tons de verde na caixa de lápis de cor que havia levado para a escola e recomecei o trabalho na aula de artes.


Com um nó na garganta, havia visto meu desenho ser sumariamente amassado e atirado no cesto de lixo, seguido por resmungos irritados.


Que importa? Àquela época não poderia mesmo responder afirmativamente à pergunta, feita segundos antes, pela insensível professora:


- Você por um acaso já viu árvores amarelas e alaranjadas?

2 de nov. de 2010

" Fi-lo porque Qui-lo"


Dia de votação na América, o outono dando o ar de sua imensa graça, cidadãos de todas as idades (inclusive senhoras e senhores empurrando andadores e acompanhados de garrafas de oxigênio portáteis) indo em busca de exercer um direito que os assiste. Na terra do Tio Sam o voto não é obrigatório; nada de sansões para quem não comparecer às urnas. Quem votou hoje o fez por livre e espontânea vontade. É bem verdade que muitos americanos haviam feito a sua escolha nas urnas antecipadamente, pois deste lado de cá é possível votar em seus candidatos semanas antes do dia oficial nas cabines dispostas em supermercados, shopping centers, universidades, farmácias, lavanderias...

Portanto, acabei ressuscitando Jânio Quadros e sua famosa frase gramaticalmente incorreta, mas cheia de atitude. Depois de escolher meus candidatos, pude bater no peito e dizer : " Fi-lo porque Qui-lo" e porque continuo acreditando que Obama merece o apoio necessário para mostrar ao que veio, embora, infelizmente, não é o que pensa a oposição republicana, disseminando um discurso cheio de valores (i)morais e religiosos que nada parecem acrescentar ao debate político.
Temo, entre outras coisas, pelos tratados diplomáticos internacionais firmados pelo presidente democrata com poder na política externa, e pela imprescindível reforma do sistema de saúde, mais uma vez ameaçada. Em um país onde só vai à emergência hospitalar o indivíduo que achar que está prestes a morrer, pois, sendo assim, talvez não tenha que arcar com as astronômicas contas médicas, isso é lamentável. Sem falar na perseguição de inspiração facista aos mais de 10 milhões de imigrantes ilegais, estes acusados de roubar empregos dos americanos em uma economia em recessão. Não estou certa de que os americanos estejam realmente interessados no tipo de subemprego oferecido à grande maioria dos que cruzam ilegalmente a fronteira e muito menos que um americano profissionalmente capacitado esteja tendo dificuldades de encontrar emprego porque algum imigrante ilegal esteja ocupando a vaga. Mas é sempre mais fácil desviar a atenção sobre a verdadeira origem dos problemas trazendo à tona assuntos que suscitem polêmicas de ordem emocional. Não é só brasileiro que gosta de novela.


Agora, ao contrário do Brasil, um analfabeto americano dificilmente poderia fazer valer seu direito de escolher seus representantes. Não se trata de discriminação, eu explico. Em meio às dezenas de opções de candidatos para os cargos legislativos locais e estaduais, o que inclui, além dos senadores, representantes do congresso e governadores, também há de se votar em juízes e promotores de quem nunca se ouviu falar. Mas os referendos e seus textos longuíssimos e pouco claros são a grande dor de cabeça que costuma confundir os eleitores. Estes, tratam de temas tão variados quanto a legalização da maconha, a proibição de criadouros de cães, passando pelo aumento de impostos para investimento na segurança pública ou a abolição da reforma da saúde. E não dá pra deixar esta parte da prova em branco, quem quer votar nos candidatos de sua preferência tem que responder também ao plebiscito, sem direito a cola ou coisas do tipo.

Isso me faz pensar que se o voto fosse obrigatório nos Estados Unidos, inclusive para os que só assinam seu nome, como ocorre no Brasil, se fariam necessários cursos de média e longa duração sobre como preencher aquelas enormes cédulas de votação. Se fosse americano, Tiririca, com certeza, não conseguiria votar nem em si próprio. Pelo menos não antes de aprender a segurar uma caneta com firmeza.