31 de jan. de 2007

Cartas Sobre o Atlântico




Quando encontro em meu mailbox um envelope cuidadosamente manuscrito que ela às vezes envia pelo correio, por um milésimo de segundo chego a pensar que estou a receber notícias de mim mesma, tamanha a semelhança de nossas letras cursivas, redondinhas, caracterizadas por um traço que se eleva ao final de cada palavra. Então acho graça e corro pra casa, ansiosa pelo conteúdo, pois as afinidades com a amiga Hilra, hoje distante, definitivamente não se esgotam naquilo que se pode ver.

Ela não mora em Londres, eu não moro em Nova York, no momento interioranas, guardamos algo de urbano, de cliché, que então chamamos de saudade. Ambas estamos a milhas do movimento de uma grande metrópole que nos embalou os sonhos por anos e anos. Aflitas, nos correspondemos por vias diversas, menos do que desejávamos, para que tenhamos certeza de que não nos perderemos jamais. Quando ela escreve posso ouvir a sua voz e ver o jeito como conserta os óculos sobre o nariz enquanto fala. Às vezes ela me obriga a pensar que é festa e me convida para dançar sobre nossas incertezas, outras vezes, mesmo chovendo, abro uma janela e deixo entrar luz sobre nossas dúvidas. Nos revezamos bem nos papéis de Mafalda e Pollyana; anti-heroínas, não temos idéia do que somos capazes, o que nos garante um certo charme.
Ela repousa nos braços da Rainha, eu do Tio Sam. Nada confortáveis, planejamos um encontro, onde finalmente misturaremos chá com Coca Cola e faremos uma grande festa.

21 de jan. de 2007

Inverno, Dois Mundos, Saudade



No inverno, o alarme da saudade costuma soar insistentemente ( no começo me deixava nervosa) mas, na intenção de arcar com todos os afazeres, tenho aprendido a pensar que é música.

Esta casa, que já foi quase das sete mulheres, conta, por ora, com três exemplares da espécie masculina que se esforçam para administrar o movimento sempre rápido das duas únicas fêmeas em relação. Sem falar nas crises de TPM que, felizmente, tendem a acontecer no mesmo período. Fora o risco que correm de serem exterminados em um desses dias, podem contar com a sorte de ficarem a salvo por longas três semanas restantes.

Quando a mais nova das mulheres da casa entrou para o time das que todo mês sangram, lá fui eu corrrendo ao supermercado, driblando milhões de compromissos e cancelando outros, para comprar um bouquet de rosas e um cartão de welcome ao mundo quase adulto ou adeus infância querida. Claro que minha filhota, nada afeita aos enfeites, ficou sem entender porque tamanha manifestação para um ato tao previsível e simples da natureza. Ficou ate meio desconfiada, talvez não fosse mesmo tão simples assim.

Como já se sabe, as mulheres inventam compromissos quando não os têm de fato, pelo simples prazer de estarem em movimento. E quando não estão no tal período, são dinâmicas, alegres, solidárias. Os homens, por sua vez, geralmente se isolam em suas cavernas interiores,não se aprofundam em conversas ditas vazias, focam os sentidos em um só ponto, resquício dos tempos em que saíam em busca da caça. Esqueci de falar que alguns se afundam no sofá ou na cadeira do computador e se tornam muito pesados. De lá acham que vão dominar o mundo. Às vezes dá certo.

Sei que somos culpadas, irremediavelmente culpadas. Vi as meninas que aqui se hospedaram cuidando do Lipe, concedendo a ele muitos privilégios, como por exemplo, levar para seu quarto a roupa limpa e dobrada que se acumulava na mesa da sala e muitas vezes guardando-as no armário. Achavam que não custava nada, que ele estudava e trabalhava muito que...tadinho. Faço o mesmo por Marcus, encontro sempre desculpas cabíveis. Esperávamos os dois chegarem de seus compromissos para jantarmos juntos, mudávamos os horários de algumas atividades para que participassem, dançávamos e cantávamos na frente deles para que sorrissem; uma tentativa clara de seduzi-los ou ainda uma tática sutil de controle absoluto da situação. Quando saíamos todas, eles sempre diziam que o primeiro minuto era de alívio...que silêncio. Mas nao tardavam os telefonemas que começavam e acabam com " e então, quando vocês voltam"?,(eles odeiam mesmo o telefone).

Nada contra o mundo masculino. Acho até que em alguns dias eu me vejo usando as mesmas lentes ( meio embaçadas) para olhar para certos fatos de minha rotina ( estou sendo irônica outra vez). Como a tal sirene da saudade que não pára de soar, meio que afundada em meu sofá interior, finjo nao escutar, prefiro não ver.

1 de jan. de 2007

A Janela Dele



A janela dele parece ser a mesma que a dela, mas de fato não é. O cenário através da vidraça também traz algo de familiar, para ele e para ela, mas eles sequer habitam a mesma cidade. Todavia, é provável que, mesmo sem se saberem, ele e ela, viam o mundo através da mesma janela. Talvez tenham olhado para fora tantas vezes a espera, um do outro, sem imaginar que estavam, de uma forma que a razão não explica, lado a lado, debruçados sobre a mesma janela.

Picture by Michael B.