11 de set. de 2006

11 de Setembro de 2001


Há cinco anos atrás, quando ela tinha 8 anos, passou a viver em um país distante e, por longos seis meses, não entendeu nada do que lá se falava.
Foi e voltou em um ônibus amarelo da escola, onde almoçou todos os dias, sem nunca entender porque jamais serviram arroz e feijão no lugar de pizza e cachorro-quente.
Em casa, não encontrou nenhum brinquedo dos que havia brincado até então e teve que aprender a jogar baseball e não mais futebol, que aprendeu a chamar de soccer.
As roupas que tinha não a protegeram devidamente do frio, sensação jamais vivenciada, e se encontrou no espelho vestida com casacos alheios, cores que não eram as suas preferidas, tamanho que não era exatamente o seu.
Não foi mais a casa dos avós aos domingos, nem mais a praia com o pai e os amigos. Olhou para os lados e não reconheceu nada do que via.


Talvez por isso, quando viu na TV os dois aviões atravessando as Torres Gêmeas, em Nova York, o fogo, o medo e as lágrimas, não se desesperou. Pegou uma folha de papel e um lápis e registrou o ocorrido, como quem assistiu a um filme.


Picture by Daniela Lima-2001 Posted by Picasa

9 de set. de 2006

Éramos Sete




Somos três. Já fomos quatro, cinco e também seis. Eventualmente fomos dez. No inverno passado éramos sete. Hoje, da sala vazia, ainda posso ouvir a conversa que vem dos quartos, o barulho na cozinha, a risada incontrolável, a cantoria nem sempre afinada. Não dá para esquecer a preguiça de acordar, a espera para usar o banheiro, o carro lotado, o medo do novo, a escala de trabalho doméstico, as horas gastas na internet, os scrapbooks, as saídas de madrugada, a pipoca, os abraços. Ah, os abraços... quatro a menos por dia, cento e vinte a menos por mes, mais de mil abraços por ano...Saudades de vocês!

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7 de set. de 2006

Ainda Aguia, Quase Galinha



Não me lembro quando tirei a fantasia de águia e vesti a de galinha, mas não deve ter sido uma decisao fácil, até porque voar sempre me pareceu mais fácil que manter os pés firmes no chão. Ser galinha tem me custado litros de suor e lágrimas, especialmente neste novo cenário. É bom que se saiba que, ultimamente, os cenários têm mudado com uma certa constância ou então, tenho pensado muito nisso, estou mesmo ficando velha, uma galinha velha. Não, não se trata de uma queixa. Não há nada de errado em ser uma galinha, posso até enumerar uma série de vantagens, a começar pelo fato de que uma galinha não tem que sair apressada em busca de alimento, acaba se conformando com uma minhoca dali, uma oferta de milho acolá e me parece bem feliz com isso. Além disso, o que se diz por aí é que galinha velha é que dá bom caldo. O problema é que achei que atuaria como águia para sempre e ainda hoje, quando olho no espelho, não me reconheço. Minha alma de águia ainda espera ver refletido o bico envergado, a plumagem branca e marrom, as garras afiadas, o olhar de orgulho. Tenho que confessar que também nunca aprendi a cacarejar, como convém a uma galinha, velha ou não. E uma galinha que não cacareja não merece assim tanta consideração, não passa de uma caricatura de galinha. E assim, não mais uma águia e nem ainda uma legitima galinha eu sigo; às vezes olhando para o alto, voando, outras olhando para o chão, ciscando...

Picture by Marcus ResendePosted by Picasa

4 de set. de 2006

MADE IN BRAZIL

Conheço todas as ruas por onde passo, poderia percorrer algumas de olhos fechados. Os cheiros e mal cheiros, o clima, a brisa, a luz incomparável que dá vida a tudo ao redor . A cor do mar que se insinua entre dois enormes prédios que posso ver através da janela. O sotaque nordestino, as expressões irreverentes que saem fácil e me roubam um sorriso . A comida farta, o sabor apurado, as frutas que muita gente do lado de lá nem faz idéia que existem. Tudo tão familiar, tão parte de mim. Mas me sinto estranha. Passo despercebida quando transito na multidão que se esbarra nos shopping centres; nenhum rosto me parece conhecido, não me lembram nada, tudo novo como quando aquí pisei pela primeira vez. Nas filas do supermercado, todas intermináveis, fico observando as pessoas como se não estivesse ali, como se fosse mera espectadora. Enquanto isso minha mente se ocupa em traçar comparações de toda ordem e me leva a crer que hoje sou um misto de coisas que as vezes nem combinam, o que de imediato me garante um certo ar de satisfação. Sou aquela mulher na fila que, de pé, abaixa as alças da blusa para amamantar o filho impaciente. Sou também o pudor de fazê-lo em tal ambiente, apinhado de gente e saio para onde sempre há um lugar reservado aos cuidados com os bebês. Sou o cliente que reclama do preço registrado, totalmente diferente do que está disposto junto ao produto na prateleira, e fica a esperar por um longo tempo por alguém que resolva o impasse, quando enfim decide ele mesmo sair em busca da etiqueta para provar que está certo. Mas sou também o cliente que tem sempre razão e não precisa mais do que afirmar que o preço registrado não está correto e dizer, ele mesmo, o valor a ser considerado. Sou a pessoa que fura a fila como se ninguém pudesse vê-la, a que deixa o carrinho guardando seu lugar e fica a ir e vir, trazendo lotes de produtos até enchê-lo por completo, a que obriga a todos a esperar para que vá buscar algo que esqueceu, a que não teve aprovação do cartão de crédito e resolve ligar para a central e declarar alto e em bom tom tudo o que não nos interessa sobre sua vida financiera, sou o cliente de trás que esbarra o carrinho em seu tornozelo e não pede desculpas, o rapaz que trabalha como caixa e não se dirige a você com um cordial bom dia ou ainda um volte sempre…Mas sou também uma certa formalidade nas relações, uma gentileza que muitas vezes nos distancia de tão cuidadosa, uma fila onde as pessoas não se tocam, um não saber da vida do outro que nos mantém na superficie, um milhão de desculpas que se diz por minuto, a preocupação em não causar problema ao próximo. Sou cidade grande e cidade pequena, muro pichado, lixo nas calçadas e casas sem muros, multa para quem joga papel da rua. Sou medo de ser assaltada ( estou em pânico!) e da mesma forma a certeza de que ninguém invadirá minha propriedade. Estrangeira em minha própria terra, sou também cidadã, totalmente indignada.

Escrito no Brasil em junho de 2006 Posted by Picasa