22 de abr. de 2016

Aos Escaldados




 

Depois das 50 primaveras, não tem como ser diferente: nos tornamos escaldados. Já passamos dificuldades, experimentamos dissabores e então redobramos os cuidados pra que aquele sofrimento de outrora não nos roube o juízo mais uma vez. Não adianta. Mesmo que agruras semelhantes nunca venham a se materializar, o sentimento de que elas possam voltar e detonar o nosso (pseudo) equilíbrio é recorrente e muitas vezes nos torna escravos de um temor que entorpece.

Deve ser por isso que os consultórios psicológicos estão lotados de senhores e senhoras de meia idade e as happy pills venham sendo consumidas como nunca. Nada contra nem um nem outro. Eu mesma sou adepta de ambos e posso garantir que, junto a outras estratégias de sobrevivência, funcionam muito bem. Mas enquanto escaldados, nos fazemos reféns de um comportamento que se solidificou no passado e nos acompanha em situações que nada têm a ver com o que eventualmente aconteceu. E mesmo que tenham, são de fato outras circunstâncias. Mas vai explicar isso pro seu superego repressor.   

Vou ilustrar. Um dia um companheiro de longas datas decide ir embora sem dizer adeus. Sem mágoas implícitas; foi bem assim que aconteceu e já passou. Anos depois você se vê evitando relacionamentos duradouros que é pra manter o controle da situação. Pra não ver mais ninguém indo embora de fininho sem explicação plausível, afinal nem tem dado chance de um transeunte desavisado entrar de verdade em sua rotina por horas extras que sejam. Viver o momento é a máxima, não foi pra isso que você começou a meditar? Tudo sob controle, imagina-se, a não ser pelo fato da gente se acostumar a dormir com o medo de sofrer outra vez.   

Então você descobre que vai sim sofrer outra vez. E outra e mais outra. Porque sem dar a cara a tapa a vida se torna muito previsível e desinteressante. E descobre também que este sofrimento é inédito, não tem nada a ver com o que passou, e vêm junto com uma série de novos prazeres, quase todos imperdíveis. E que eles têm um preço. E que ao mesmo tempo também podem ser fortuitos e gratuitos. E que você não vai entender nada realmente sobre o que está passando e vai querer explicar o inexplicável. E não vai conseguir. Dai vai lembrar que já passou dos 50 e que isso pouco importa.       
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