Há quem diga
que dinheiro fácil é aquele que se ganha sem maiores esforços, seja uma herança
inesperada ou não, uma troca de favores com direito a um bom emprego vitalício
em que não se bate ponto nem na entrada, nem na saída, ou ainda o sonhado prêmio
da Mega Sena acumulada, sem ter que dividi-lo com ninguém, nem com outro
apostador, muito menos com parentes e/ou amigos financeiramente desamparados,
para ser politicamente correta. Porém, há quem garanta que as benesses do tipo
quase sempre vem acompanhadas de muitas dores de cabeça e que não há dinheiro
no mundo que cure tamanho transtorno. Mesmo sem ter experimentado sensação
igual, arrisco um palpite: dinheiro fácil
e aquele que a gente ganha fazendo o que gosta.
Não que
nos últimos meses eu tenha feito apenas o que gosto. Para sobreviver, até bem pouco tempo atrás, estive
exposta a toda sorte de atividades, a ponto de manter em meu carro uma cabine
parecida com a do Clark Kent, onde trocava de roupa, de bolsa, de material de
trabalho e até de sorriso, antes de pegar a capa e sair voando por ai. Acho
inclusive que por isso tenho valorizado mais e mais as atividades atuais, que faço com
entusiasmo e prazer a ponto de me pegar pensando que até aceitaria pagar pra
dar hora extra. Exageros a parte, quando se faz o que se gosta na área
profissional, a sensação é de que o trabalho em si também é parte do pagamento.
Mas ninguém falou aqui que está disposto a abrir mão dos rendimentos materiais
que nos permitem, entre outras coisas, arcar com as necessidades básicas de
qualquer ser humano em nome da paixão pelo que se faz.
Sem essa de
dizer que o trabalho vocacionado tem que ser feito de graça ou quase isso. Não
conheço ninguém que faz o que gosta que não se ofende com o discurso de chefes de
estado ou de empresas que fazem chantagem sentimental do tipo. Até porque
nenhuma destas supracitadas criaturas abririam mão de parte sequer de seus
fartos rendimentos em nome do prazer. Na verdade, fazer o que se gosta, em
qualquer área profissional, deveria ser critério indiscutível pra admissão de
candidatos ao emprego. Um currículo recheado de títulos, experiências de todo
tipo, viagens e intercâmbios, proficiência em outras línguas, são de fato
aspectos incontestáveis na hora de se avaliar o aspirante a vaga. Mas se não gostar
do que faz e/ou se simplesmente o faz em nome do salário promissor deveria
contar apenas com este último, já que parece ser tudo o que almeja.
Ao contrário,
aqueles que fazem o que gostam e o fazem bem, deveriam ser agraciados com alguns
benefícios extras além das obrigações empregatícias e da alma repleta de
prazer. Pois é disso que se alimenta e explica o espirito e o consequente
desempenho de quem faz o que gosta: de sonhos, de novas paisagens e encontros,
de um olhar mais demorado sobre as coisas que trazem a marca da diferença e
originalidade...
A exemplo do
Bolsa Família, que dá direito a comida, transporte, gás e algum dinheiro extra
a cidadãos da classe desfavorecida no Brasil por cada filho que frequenta a escola
pública- sim, deve ser um esforço sobre-humano convencer nossas crianças e
jovens a frequentar um ambiente escolar com tão poucos recursos de toda ordem;
um bom sistema público de educação, quem sabe parcialmente financiado com o
dinheiro gasto por este próprio programa, já seria em si um convite a
participação deles na escola, bem que poderiam criar o Bolsa Deleite. Este programa
ofereceria vale viagens culturais, vale educação, diversão e arte com incentivo
`a participação em cursos, espetáculos teatrais, cinema, visitas a museus,
assinaturas de revistas, acesso a leitura de livros... todos gratuitos, a
funcionários que trabalham com amor (e não por amor), incluindo também vale gás,
para que nos dias em que a desmotivação batesse de frente, cidadãos apaixonados
pelo que fazem, recebessem um combustível extra em forma de pão do espirito
para não deixarem de manter a alma devidamente alimentada.
Pois pelo que
me consta, alguém que acha que dinheiro fácil é aquele que se ganha fazendo o
que gosta, não está livre do pagamento de impostos ou de suas responsabilidades
financeiras e pessoais e muito menos disposto a vender a alma cheia de
louváveis predicados aos gananciosos de plantão, sob o risco de ficar ao mesmo
tempo sem dinheiro e sem credito consigo mesmo.
Pictures:"When you cannot make money out of art, you made it become one."
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