AmeRiCanDo: verbo reflexo; brincando de tomar modos americanos; buscando adaptar-se ao modo de vida americano, embora senhora de uma alma cosmopolita e apesar da saudade
25 de abr. de 2006
Benditas Sejam as Coisas que não Existem
Andei mexendo em umas caixas, tenho mania de guardar papéis, principalmente se trazem algo de memorável, como desenhos infantis. Eles sempre me remetem a um certo espaço de tempo, que muitas vezes não sei precisar quando. Mas isso não importa, acabo me perdendo no labirinto das horas e me divirto quando não consigo achar a saída. Foi então que encontrei meu pai e minha mãe em uma folha de papel de caderno. Pude perceber os traços de minha filha por cima daquelas linhas de um azul bem clarinho. Desde que chegou na América, quando está sentindo falta de alguém, Dani costuma trazer para perto o sujeito da saudade, com o simples deslizar de um lápis. Uma vez a encontrei dormindo abraçada com o pai, os avós e alguns amigos chegados, todos juntos no mesmo papel. Tive que fazer força para controlar as lágrimas, sou meio fraquinha para cenas do tipo, ainda mais no mundo real. Pois bem, desta vez ela retratou o avô, como sempre sentado em seu escritório, jornais sobre a mesa, TV ligada, pijaminha de botões. Pude ver também a avó, com um sorriso largo, mãos para cima e jeito de quem faz festa. Compôs o cenário com árvores semelhantes as que faziam sombra no jardim da casa deles há algum tempo atrás e podiam ser vistas através da janela grande de vidro. Eu que estava tão abatida com o fato do meu pai estar internado em um hospital e por me sentir impotente estando aqui tão distante, tive que me render a lógica da Dani. Me coloquei frente a tela do computador e resgatei as histórias que ele me contava quando eu ainda cabia em seus braços. Viajei nas asas do Cavalinho Misterioso e a primeira coisa que fiz foi tirar meu pai, Quinzito, daquela cama fria de hospital para darmos uma volta no país das coisas que não existem. Lá me disseram que se a gente quiser ver o que não existe vai ter que fechar os próprios olhos para que a imagem finalmente surja. Daí pude ver claramente meu pai e minha mãe saltando daquele desenho que ainda tinha nas mãos. Mas desta vez nem tentei reter as lágrimas. Porém, pude ouvir o Rubem Alves a sussurrar em meu ouvido a pergunta do poeta francês Paul Valéry: "Que seria de nós sem o socorro do que não existe?"
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2 comentários:
Nem uma camera de alta fidelidade captaria tao bem essa expressao inconfundivel do Sr.Batista!! Que lindeza de menina desenhadeira.
Lindo!!!
Bjs pra todos!
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