"...E a coisa mais certa de todas as coisas
não vale um caminho sob o sol."
Caetano Veloso
AmeRiCanDo: verbo reflexo; brincando de tomar modos americanos; buscando adaptar-se ao modo de vida americano, embora senhora de uma alma cosmopolita e apesar da saudade


De todas as coisas boas que dispomos na America, uvas sem semente sao, sem duvida, a melhor. E impagavel a sensacao de morder uma uva gelada e doce sem ter que buscar as duas ou tres sementes que ali se encontrariam e que nunca se saberia ao certo onde coloca-las. Seria um dilema. Pega-las com a ponta dos dedos e coloca-las no cantinho do prato? Cuspi-las com um certo constrangimento diretamente na lixeira? Ou quem sabe na mao em formato de cuia? Quanta preocupacao em vao depois que a engenharia genetica nos brindou com tal facanha. Uvas sem semente parecem com celular, quem gosta nao imagina como um dia viveu sem.
Ele e Musica e ela Inspiracao. Nada mais justo que vivessem juntos e da melhor forma. Ela e suave quando fala e traz um certo sotaque de que gosto. Ele encanta quando se debruca sobre as teclas pretas e brancas lendo as paginas nas mesmas cores que parecem dizer muito menos do que podemos ouvir. Ela e gentil nos gestos e ponderada nas ideias. Por sua vez, toca como ninguem as teclas de um computador. Ele segura a batuta com a mesma maestria com que distribui os temperos e decora os pratos que prepara. Porem, nao faria isso sem a ajuda dela que, sem sequer usar uma medida, faz o melhor cafe. Ela nao faz musica, ele nao faz ideia do que e a tecnologia digital. Ela nao cozinha, ele nao faz cafe. E vivem harmoniosamente, como é de se esperar da Musica e da Inspiracao. 
As sextas-feiras agora sao preguicosas e vao dormir mais cedo. Se sentem incomodadas com a noite sem palavras, sem o riso facil que as vezes e pranto e entao e riso outra vez. Pessoa e Chico tambem nao tem aparecido. A Curuminha mandou avisar que nao vira na proxima semana, nem na outra, nem na outra.
Hoje dei de cara com o tempo e ja nao sei mais quantos anos tinha da ultima vez que nos falamos. So me lembro que brigamos e fizemos um pacto de silencio ate entao. Mas ele apareceu com uma bandeira branca em uma das maos e uma pilha de fotografias em outra. Viajei naquela que trazia o rosto de um bebe, sorriso maroto, olhos escuros e vivos. Os mesmos olhos do menino que hoje vislumbram um horizonte amplo em mares longinquos. Os mesmos olhos que um dia estiveram sobre os meus e que eu sempre soube logo estariam sobre tantos outros. O tempo entao fingiu que nao viu a menina dos meus olhos brincando de chapinhar nas pocas d'agua que se formavam. Se virou e saiu. Nao sei se ele ouviu, mas ainda gritei: e choro de felicidade!