30 de set. de 2012

Com Pimenta e com Afeto




Querido Dr. Gilton



Há duas semanas, me deparei com um simpático vidrinho de pimenta vermelha; tão pequeno, que cabia na palma da mão, o suficiente para uma única refeição. Estava disponível, junto a outros tantos, sobre uma bandeja de temperos em um restaurante e, por alguma razão que não se explica, me chamou a atenção; não que àquela altura eu desejasse qualquer sabor adicional ao paladar. Desde que provei do saboroso molho de pimenta que o senhor prepara com especial talento, nunca mais dei bolas para qualquer outra marca disposta nas prateleiras de um supermercado ou em uma banca de feira que seja; o sabor da sua iguaria é incomparável e há um exército de amigos, de nacionalidades diversas, que hão de concordar em uníssono.

Porém, o vidrinho, miniatura de uma tradicional embalagem, fez brotar um sorriso em meu rosto e me trouxe lembranças da pessoa querida, de caráter irretocável que, além de ser o maior preparador de molho de pimenta que conheço, é também o mais cativante de todos os sogros, o hóspede mais agradável, o companheiro de viagem mais disponível...e esposo dedicado da igualmente gentil e querida Ilsa.


Apertei o tal vidrinho com força entre os dedos e a palma da mão e então fiz dois pedidos. Desejei que aquele momento não fosse em vão, ao contrário, que a sensação de que estávamos incondicionalmente próximos fosse permanente e, mais que isso, que Marcus, ao conhecer os segredos daquele frasco cheio de analogias, pudesse ter a mesma certeza: há coisas que não passam.


Um beijo carinhoso,


Adriana, "sua escritorinha"

Escrito  e enviado por email em 20 de abril de 2011. Revisitado com saudades no dia de hoje, em que ele se transferiu para outra dimensão mas , como eu havia mencionado, jamais passará.

29 de jul. de 2012

Bagunça pra Chamar de Eu


 Dizem que quando eu era garota e arrumava minhas gavetas, ficava muito brava quando as abria de novo e observava que o conteúdo destas não estava mais no devido lugar. Chegava a esbravejar perguntando quem havia feito tal desfeita comigo depois de tanto trabalho para alinhar as roupas, umas sobre as outras, com capricho que beirava a perfeição. De nada adiantava minha irmã explicar que o simples movimento de abrir e fechar as gavetas causava tal desastre natural.  Demorou um certo tempo e algumas sessões de análise para que eu entendesse que o ir e vir das roupas na gaveta, a principio arrumadinhas e sob meu controle, não representava mais do que uma metáfora do que eu ia ter que enfrentar na vida adulta. Sem falar em outros tantos anos para que eu aprendesse a tirar proveito disso.
Hoje, quase meio século abrindo e fechando gavetas, posso dizer que, às vezes, ainda gostaria de ser a feiticeira do seriado dos anos 70 e torcer o nariz para ver, em segundos, tudo arrumadinho e funcionando perfeitamente ao meu redor.  Mas parece que isso não apresenta a menor graça. Ia me sobrar muito tempo para preencher com outras coisas de gosto duvidoso, como discutir a relação, tentar interpretar citações aparentemente despretensiosas nas paginas virtuais dos filhos, contar as ruguinhas e manchas senis na pele que insistem em se multiplicar ( odeio fazer contas), pensar que no lugar de fulano ou cicrano eu faria desta maneira e não daquela, me atolar no trabalho pra espantar o fantasma do ócio, criativo que seja, ou armadilhas do tipo. Definitivamente, tolerar a nossa própria bagunça, no plano interior ou físico, nos livra de certos atos de soberba desnecessários, eu diria, disfarçados de boas intenções.
Então comecei a chamar de baguncinha redentora aquela que a gente mantém pra não perder a noção de que temos todos um cantinho de desordem pra chamarmos de “meu” e que também atende pelo nome de “eu”.  Um dia a gente percebe que, enquanto se está em condições de ver o tempo passar, melhor aceitar que as coisas saem do lugar, assim como as pessoas, o que elas pensam e como agem, pra não corremos o risco de nos enterrarmos vivos ou, na melhor das hipóteses, desenvolvermos uma úlcera crônica que nos incomodaria tanto quanto aqueles ao nosso redor.
Desta forma, faz uns dias que minha sala de visitas ficou parecida com um ateliê de artes e eu resisti bravamente à tentação de fazer promessa para o milagroso São Aspirador de Pó ou fazer novena pra Nossa Senhora da Poeira Debaixo do Tapete. Deixei que as telas e os pincéis me convidassem para um passeio, desviei sem reclamar das caixas de tintas dispostas displicentemente entre o sofá e parede, me diverti com as cores e texturas que lancei sobre o branco e cobri de tantas camadas quanto desejou meu olhar cada vez que por ali passei.
Minha sala não é mais a mesma. Nem eu. Algo me diz que as minhas gavetas vão ter que buscar ajuda profissional ,caso insistam em me ver dando chilique cada vez que, ao se abrirem, apresentarem uma nova disposição para a arrumação de outrora.  

28 de mai. de 2012

O Que Voce Anda Fazendo?



A pergunta sobre a tela do computador em um despretensioso bate papo virtual parecia corriqueira. Não creio que a amiga distante quisesse saber o que eu era capaz de fazer enquanto andava por aí, mas foi bem assim que a imagem me veio à cabeça: a malabarista do dia-a-dia, cumprindo com tarefas de toda ordem enquanto caminhava, meio trôpega, tentando manter as duzentas bolas de tamanhos diversos no ar e seguindo a marcha da rotina, em meio às vinte e quatro horas oferecidas gentilmente pelo senhor do tempo aos homens de boa vontade e contas a pagar.

Ultimamente estava mesmo andando a fazer muitas coisas ao mesmo tempo e, pior, sem terminar quase nada do que me propunha a cumprir. Muitas vezes levantava para fazer algo e no caminho me distraia com tantas outras tarefas, até voltar para o local de partida e constatar que não havia feito o que primeiro me veio à cabeça. Tudo culpa dos hormônios, eu diria, estes batendo em retirada sem a menor cerimônia, causando uma bagunça terrível no estar intimo de minha casa interior. Mas esta desculpa estava ficando cada vez mais esfarrapada, afinal eu bem sabia que daqui para frente, apesar da bem intencionada ajuda da medicina, eu que cuidasse de dar um jeito de continuar caminhando sem me esborrachar ladeira abaixo antes da hora.

Então expliquei à velha amiga, que me compreendia muito bem, que andava fazendo planos. Literalmente. Por onde andava, fazia planos. Dentro de casa, no caminho para o trabalho enquanto dirigia, sendo transportada por um trem, na frente do computador, ao falar ao telefone, quanto me equilibrava em um monociclo sobre um barbante e exibia ao mundo minha destreza com jogos malabares, entre uma distração e outra... quando dormia e sonhava.
Sim, eu andava sonhando e fazendo planos.  Pelo menos isso os tais hormônios não levaram consigo quando fugiram e bateram a porta dos fundos sem deixar um recadinho sequer. Por outro lado, acabaram levando por engano a minha habilidade para realizar os sonhos que sonhava. Fica aqui, portanto, um apelo aos que conviveram de perto com esta malabarista que vos fala. Caso encontrem por ai aquela cartola mágica que atende pelo nome de esperança, segura firme e me liga que eu passo ai pra pegá-la.
E você, o que anda fazendo?

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Sobre a ilustradora do post, encontrada por acaso e com muita alegria nas teias virtuais:
Picture by Sandi FitzGerald
Toronto, Ontario,
Canada

O blog dela: kittyjujube.blogspot.com


11 de mai. de 2012

Um Beijo e um Abraço


Já faz muito tempo, mas me lembro que costumava ficar irritada quando, com certa antecedência, minha mãe anunciava que já tinha providenciado o presente que nos daria em uma data comemorativa vindoura qualquer: “Um beijo e um abraço”. Se estivesse naqueles dias, repetia com uma ponta de provocação “Um beijo e um abraço e... olhe lá!”. Claro que era tudo lorota; certamente uma maneira de nos manter esvaziados de expectativas. Mais que isso, era um jeito de pedir carinho que só vim a entender muito depois, mais precisamente nos últimos meses.

O tempo passou e aqui estou eu a pensar em como responder sem dar um ar de falsa modéstia à previsível pergunta às vésperas de mais um dia das mães: “O que você quer de presente?”. A resposta está na ponta da língua: “Um beijo e um abraço!” E que esta sirva para todas as demais datas: aniversário, incluindo o de casamento; Natal; dia do amigo, dos namorados... já antecipando até o dia da avó, se este for o caso no futuro.

Envolvida em  mais uma adaptação em terras estrangeiras, em meio a novos amigos em fase de reconhecimento; à filha adolescente que não sai por aí distribuindo afeto à toa; ao filho, irmã e sobrinha que moram algumas muitas horas de distância daqui; aos enteados que estão do outro lado do oceano; aos irmãos, familiares e amigos de uma vida toda a quem posso ver e ouvir graças às benesses das novas tecnologias, mas cujo cheiro e calor me fazem uma falta enorme, confesso que um beijo e um abraço tá mais pra gênero de primeira necessidade do que pra capricho.


Nem pense que estou me fazendo de boazinha. A verdade é que não me consta que quem faz a pergunta esteja esperando uma resposta do tipo “Quero uma viagem à Itália com tudo pago, com direito a uma paradinha em Paris antes de pegar o voo em Londres de volta para casa” ou quem sabe ainda “Quatro ou cinco noites que sejam em alguma ilha paradisíaca qualquer, sem a possibilidade de acessar o celular e nem precisar lavar louça ou fazer a cama “... Melhor do que isso, eu diria sem titubear, só um beijo e um abraço demorado de quem a gente quer bem!


10 de mar. de 2012

Branco que Te Quero Multicor


Lembro-me que quando menina ficava a esperar meu pai chegar do trabalho à noitinha. Escolhia estrategicamente um lugar para brincar perto da porta da frente, só para ouvir o barulho da chave girar na fechadura e então correr para o abraço. Nosso amor era assim mesmo, barulhento, indisfarçável. Ele me rodava no ar e gargalhava, como se também estivesse esperando por aquele momento atrás da porta.
Na mão trazia uma pasta, daquelas executivas, com chavinha e tudo, embora esta nunca estivesse trancada. Depois do abraço ele a abria e vez por outra trazia algo especialmente encomendado no dia anterior: uma revista, um pirulito que fosse, algo que viu pelo caminho de casa oferecido por um vendedor ambulante... era sempre uma bem-vinda surpresa!
Em um desses dias- meu pai contava esta história com uma ponta de constrangimento- lá estava eu, olhos atentos depois do abraço, a espera do que sairia daquela pasta que mais se parecia com uma cartola de mágico. Foi feito suspense; ele dizia que trazia algo muito especial para mim que eu nunca havia recebido antes. Para falar a verdade, não me lembro deste dia e nem do que se seguiu depois disso. Mas, segundo meu pai contava, quase como uma confissão de culpa, ele pretendia fazer uma brincadeira, pois o que na verdade trazia na tal pasta era uma folha de papel comum, branca, sem atrativo ou diferencial algum. Chegou a se preparar para um segundo abraço, já contando com minha frustração frente ao suposto presente, aparentemente sem sentido algum.
Mas não foi nada disso o que aconteceu. Ao ver a folha de papel vazia, saindo daquela pasta mágica, dei pulos de alegria, saltei em seu colo agradecida e corri para buscar minha caixa de lápis coloridos para começar a desenhar meus sonhos sobre ela. Aquela não era uma folha comum, nunca seria. Tudo o que vinha de meu pai trazia em si uma promessa.
Desde então acho que busco as folhas vazias como quem ainda deseja presentes. Desde então desenho florzinhas e bolinhas, arabescos e listrinhas em espaços vazios nas agendas e calendários... Desde então sou grata ao meu pai por cada vez que transformo uma folha em branco em um texto, uma carta, uma pintura, uma lista de planos para o futuro, uma frase solta que seja.
Não me lembro se dediquei aquele desenho ao meu pai; talvez tenha colorido aquela folha com coraçõezinhos e frases de amor, como o fiz tantas vezes ao longo de minha infância. Talvez não. Mas com certeza, de alguma forma, cada espaço que preencho, cada investimento, cada conquista, os momentos de superação, são todos dedicados a ele, que sempre me acenou com folhas em branco, na certeza de que eu colocaria minhas cores e nuances sobre elas.
Que venham então as folhas em branco!