22 de dez. de 2010

Nada do Que foi Será



Considerando que não sei ao certo até quando vou habitar este planeta, é possível até que eu já esteja na meia idade e não tenha dado conta. O fato é que algumas tarefas simples, realizadas com primor nos anos dourados, não vêm sendo praticadas com a mesma desenvoltura. Outras então, que deixei para depois, parecem que perderam a chance de serem incluídas como parte do meu currículo pessoal.
Sinceramente, não há qualquer resquício de frustração nesta constatação e tenho, inclusive, tirado vantagem do fato de me sentir completamente indisponível, quando não impossibilitada de manter um bom desempenho diante de tarefas antes corriqueiras.

Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo

Levantamento de caixas, por exemplo, é uma atividade que delego aos mais jovens sem delongas, desde que dei um jeito na região lombar enquanto organizava o porão para o Natal e fiquei duas semanas dormindo sobre um travesseiro de gelo.

Atravessar noites adentro, seja estudando, esperando os filhos voltarem pra casa ou me divertindo com os amigos e acordar no outro dia bem cedo pra cumprir alguma tarefa também já está fora de cogitação; a menos que tenha o direito de dormir a manhã inteira do dia seguinte, sem preocupação em fazer almoço ou reorganizar a casa antes das cinco da tarde.

Mastigar os comprimidos antes de engoli-los, a fim de evitar um engasgo, como fiz regularmente por algumas décadas, passou a ser evitado; o custo com o tratamento dos dentes, hoje mais fragilizados, se tornou inviável e, por que não dizer desnecessário; afinal, para que servem aquelas pecinhas com lâminas embutidas compradas em qualquer supermercado na América que partem os medicamentos uniformemente em quantas partes se queira?

Trocar de bolsa poucos minutos antes de sair de casa passou a ser atividade proibida; sempre esqueço algo importante naquela que não foi eleita para ser pendurada no ombro quando faço a transferência de última hora. Ainda bem que os estilistas do momento repensaram a idéia de que bolsa tem que combinar com sapato, caso contrário aceitaria sem resistência entrar para a lista das 10 mais deselegantes, promovida pela imprensa local. A propósito, tarefa dificílima de ser executada em um país onde sair de pijama e pantufas é considerado ato pra lá de normal.

Senhas diferentes para cada site em que me cadastro na internet também não rola; mantenho a mesma que é pra não esquecer. Em se tratando de bancos e cartões de créditos até vai lá; escrevo em código as mesmas em meu livrinho de telefone (sim, eu me utilizo de um destes artigos obsoletos usados largamente no século passado para agendar os números) e o consulto sempre que preciso acessá-las.

Não adianta fugir
Nem mentir pra si mesmo

Subir escadas correndo, tomar sol sem protetor, sair sem os óculos de leitura, comer pele de frango tostadinha, insistir em tocar a ponta dos pés quando sentada no chão de pernas abertas durante a ginástica, resolver de repente praticar um esporte radical, trocar pneu do carro, me cobrar em saber de cabeça a idade dos sobrinhos e afilhados que crescem com uma rapidez nunca vista, achar que as roupas que usava há anos atrás devem se manter no armário como prova de que não mudei quase nada, cair na tentação de me vestir de acordo com o último hit da moda quando este inclui as mini saias que deixam a mostra os joelhos enrugados, evitar um sorriso aberto pra não deixar que as ruguinhas perto dos olhos surjam saltitantes, discutir a relação, o sexo dos anjos, a origem do universo, provar quem está certo, disputar títulos acadêmicos, acender a fogueira das vaidades, passar mais do que 24 horas lamentando uma perda material ou amargando uma deslealdade vinda de um suposto amigo...são atividades a que não me permito mais. Sem direito a dor de consciência, autopunição ou mazelas do tipo.

Agora
Há tanta vida lá fora, aqui dentro

Afinal, além de me poupar de uma série de constrangimentos, sobra mais tempo pra fazer aquilo que gosto, de estar com quem me faz feliz e que cabe exatamente no tamanho de minhas pretensões.

Tudo passa, tudo sempre passará.

4 comentários:

Anônimo disse...

Seu texto como sempre impecável...
Só com a chegada mais gritante das limitações aprendemos a lidar melhor com o que realmente importa. E vamos combinar ficar com quem se gosta não tem preço...
Seu texto me fez lembrar também uma musica que diz algo como: esses moços, pobres moços, ah se soubessem o que eu sei ... (do Lupicinio).

DE BEM COM A VIDA! disse...

Minha amiga, Drizinha, "tudo muda o tempo todo no mundo", menos a sua linda forma de com tamanha poeticidade e tb uma boa dose de realidade, além da sensata simplicidade tão peculiar, saber colocar no papel o cotidiano de maneira lúcida, sensata e sensível. Vc muda, mas o seu talento de escritora permanece e a mudança que se faz presente é só no sentido do aperfeiçoamento e claro da evolução natural que cada escritor possue ao longo de sua experiência na jornada da escrita. PARABÉNS, no sentido mais amplo da palavra, viu? Belíssima produção literária!!! Bjo meu, Tânia O'Grady

Matheus disse...

SOU SEU FÃ!!

Anônimo disse...

muito bons seus textos... adoro ler seus escritos. é bem verdade que agora, quando já não somos tão mocinhas, perdemos um pouquinho de habilidade, elasticidade, tonicidade... um monte de ade. mas, ganhamos mais serenidade, lealdade, flexibilidade... tá vendo?!?! a natureza é sábia. ela faz conosco uma permuta muito justa. sou sua fã. fico atenta a cada postagem. um grande abraço e um 2011 repleto de coisas boas! (girassol)