O filho estava afundado no sofá da sala de televisão sorrindo para algo que só ele podia ver no visor do celular, até porque, mesmo que quisesse, depois dos 40, a mãe já não identificava, desenhos que fossem, de uma distância tão curta. Há muito que, uma vez nos restaurantes, esperava alguém mais jovem fazer o pedido para que, em seguida, dissesse ao garçon fingindo naturalidade:
-Boa pedida! Traz o mesmo pra mim, só que bem passado -tudo para evitar ter que esticar os braços com o cardápio nas mãos, apertando os olhos no intuito de fixar o foco sobre as sugestões do chefe e jurar, mais uma vez, que os membros superiores estavam, definitivamente, encolhendo a olhos (quase) vistos.
Tentou então chamar a atenção do filho com o celébre e previsível ruído da coceira na garganta, mas não funcionou. Foi quando ela decidiu perguntar direta e ironicamente:
- Não me conhece mais?
O filho tirou rapidamente os olhos do celular e olhou pra ela com um leve ar de surpresa seguido de um sorrisinho bobo:
-Tá difeeeeeerente, mãezona!
-Diferente de que?-pergunta ela um tom acima do normal.
-Daquela foto.
-Foto? Que foto?
-Como que foto? – voltou a teclar no celular enquanto falava, o que a irritou profundamente. -A foto do seu perfil naquela página da net, a que você pediu preu mudar na semana passada.
Depois de alguns segundos, ela sussura:
-Photoshop.
-Heim?
A mãe suspira fundo e cria coragem:
-Pho-to-sho-pe, ouviu agora? Paguei uma nota pra aquele seu amigo retocar minha foto do perfil e dá nisso...você fala que estou irreconhecível.
-Eu não falei que cê estava irreconhecível, mãe, falei diferente.
-Ah, tá, diferente. Devo estar mesmo muito diferente ou você pelo menos me cumprimentaria ao chegar em casa. Tô desconfiada de que seu pai também pensa o mesmo, pois vive a olhar pros lados dizendo que está me procurando. Culpa do seu amigo que me deixou com a boca da Angelina Jolie.
O filho continuava a pressionar com agilidade desconcertante as teclas daquele celular e, quase simultaneamente, manuseava o controle da televisão para mudar os canais de cinco em cinco minutos, como bem reza o códico genético masculino.
-Foi você que pediu assim...
-Euuuu? Só falei que me deixasse 10 anos mais moça, atraente, mas não esquecesse que eu era uma engajada senhora, mãe de 6 filhos...
-Então...cê descreveu a Angelina, culpa sua.
-Culpa minha? Se pelo menos o Brad Pitt viesse junto com o pacote...
-Aí, mãe, o bro nao prometeu fazer milagre...- falou rindo, embora ela não estivesse certa se o motivo da manifestação de contentamento teria sido provocada pelo comentário dela ou pela mensagem virtual que acabara de receber.
É, seria mesmo um milagre se o marido resolvesse gastar trinta minutos diários caminhando na esteira pra ver como ele funcionava sem a barriguinha básica e tentasse, pelo menos, simular o jeito de andar do Brad. Não parecia muito, mas melhor que nada para ela que, fora a tal foto montada, exposta no site de relacionamentos e os 6 filhos, de Angelina não tinha nada.
-Pensei que faria economia ao trocar a lipoaspiração pela lipodigitação ...mas já vi que o mundo virtual não nos livra das mazelas de sempre...e, por falar nisso, vê se cai na real e vai dar um jeito no seu quarto, faz dias que nem arruma a cama.
-Cama?- perguntou distraído sem mover os olhos.
-Sim, cama, ou voce pensa que quem vive na rede não tem que arrumar a cama? Acha que o quarto é autolimpante? Que pode simplesmente reencaminhar suas obrigações? –queria parecer antenada com o vocabulário vigente, mas agradeceu intimamente o fato do filho não estar atento aos seus comentários toscos...felizmente ela não tinha aprendido ainda a enviar torpedos pelo celular, ou teria que suportar o constrangimento de ver seu discurso barato ser sumariamente de-le-ta-do.