1 de out. de 2006

As Unhas Postiças da Professora



Não sei até hoje se as unhas dela eram postiças, mas D. Adélia, minha professora de piano, tinha unhas enormes, pintadas de vermelho sangue. Eu tinha pavor das unhas de D. Adélia, especialmente quando ela as colocava sobre minhas mãos, àquela época tão pequenas e pouco ágeis, quando alguma nota não correspondia ao que dizia a partitura. Além disso, quando ela, com uma certa impaciência, procurava mostrar a maneira correta de tocar a música, eu sempre me distraía com o barulho de suas unhas nas teclas, o que me parecia de certa forma uma outra música, quase aterrorizante. Não seria capaz de descrever o rosto de minha professora de piano na época em que tinha sete anos de idade, mas as suas mãos e, claro, aquelas unhas imensas, guardo até hoje na memória.

Desta forma, não foi com naturalidade que me senti impelida a comprar o conjunto de unhas postiças que vi na prateleira de um supermercado dias atrás. Há muito estava incomodada com minhas próprias unhas, castigadas pelo trabalho doméstico e, nos últimos dois meses, sempre em segundo plano, porque em primeiro estiveram sim os planos de aula, o jogos, as pesquisas, as provas, a relação com os alunos da high school em que iniciei o trabalho como professora de espanhol...diga-se de passagem, uma grande aventura. Pois bem, no meio de tudo isso estavam as unhas, todas quebradiças, sem brilho...nada parecidas com as garras de outrora. Cedi a tentação, mas voltei para casa pensando em D. Adélia, temendo causar igual impressão em meus alunos ao colocar as unhas de fora, como se diz no popular.

Na orientação que vinha na caixa das tais unhas postiças foi sugerido algumas poucas gotas de cola por unha. Baseada em experiencias de terceiros resolvi não arriscar, caprichei então na quantidade de cola para não correr o risco de perdê-las. Achei o fim da picada saber que uma insistente coceira no braço significou a perda de três unhas de uma amiga ou ainda que o abrir de uma simples lata de refrigerante ameaçou pelo menos duas de outra.

Porém, no último dia de aula da semana passada, quando comemorava a véspera de um intervalo de duas semanas sem aulas no início do outono, estávamos eu e minhas unhas postiças, lépidas, a encher de arroz as maracas produzidas pelos alunos, indo em suas carteiras, um após o outro. Celebrávamos o mês da herança hispânica e falávamos da cultura dos países em que falam espanhol. Foi quando um aluno me chamou e trouxe entre os dedos o que imaginei serem grãos de arroz que haviam caído no chão. Mas o que ele trazia para mim, com um cuidado ímpar, era na verdade a unha postiça de meu dedo mindinho que caiu desavisada sobre a sua mesa. Depois de superar a sensação do ridículo, seguida de uma incontrolável crise de riso, pude ouvir o fantasma de D. Adélia, com suas unhas vermelho sangue, bolando de rir.

Picture by:

Beverley Ashe
Woman with Red Nails . 8x6 . acrylic on wood
http://www.beverleyashe.com/womanwithrednails.html Posted by Picasa

Um comentário:

Anônimo disse...

Estava com saudades de seus textos.
Beijos e saudades..