Amizade a parte, meu caro amigo, preciso
falar-lhe a respeito do que vem chamando de orgulho
hétero. Mais que uma inadequação semântica, pasme, o que você sente não é
orgulho. Você se sente aliviado.
Sentir atração pelo sexo oposto não é necessariamente
uma escolha sua, assim como nunca foi escolha minha. Desde sempre nos
identificamos com os personagens héteros, esmagadora maioria, que habitam os
livros, a telona, a telinha, os almoços de domingo dentro dos armários... as
historias em quadrinhos. Por isso e por uma série de outros motivos do gênero, não
senti uma vez sequer orgulho por ficar arrepiada ou enrubecida diante de um
exemplar da espécie masculina que me causou interesse, este muitas vezes inexplicável.
O máximo que tive que driblar foi a falta de cerimônia de alguns palpiteiros de
plantão a comentar sobre a quantidade e/ou qualidade de meus relacionamentos,
todos eles héteros. Repito, não vejo como posso ter sentido orgulho por não ter
me apaixonado pela filha da vizinha ou uma colega de classe. Isso simplesmente nunca me ocorreu, simples
assim.
Por outro lado, observei comovida a história
de amigos e familiares que, ao contrário do que eu havia experimentado, sentiam
atração pelo mesmo sexo e muitas vezes desdobravam-se em culpas e desculpas
para explicar e justificar o que nem eles conseguiam a princípio entender. Sim,
era um alivio não ter que mentir para mim mesma e para os que me cercavam sobre
minha orientação sexual. E que bom poder demonstrar carinho explicitamente em
qualquer lugar por onde passava com o sujeito do meu amor. Que delícia sonhar
com uma família igualzinha aquela que via nas propagandas de margarina: pai, mãe
e filhos, uma menina e um menino, já repletos de nomes imaginados quando eu
ainda era adolescente. Sim, um verdadeiro alivio. Orgulho nunca.
Orgulho tenho eu de meus feitos duramente conquistados. Daquilo que a princípio parecia ser impossível realizar e que, determinada, fiz acontecer. Orgulho sinto quando penso nas vezes que resisti aos apelos da maioria e mantive no bolso todas as pedras feitas pra atirar sobre o meu próximo, estivesse este próximo ou não; por não me sentir impelida a explicar aos entes queridos que, sim os amo, mas não amo as suas escolhas; por não me dar ao direito de decidir se amo ou não as escolhas que não são definitivamente da minha conta.
Muitas vezes também sinto alivio. Alivio
por não trazer comigo a marca do ódio e da intolerância, por ter aprendido em
casa a amar incondicionalmente; por ter nascido em uma família e conviver com
um grupo de amigos que, em sua maioria, não sente orgulho daquilo que não fez
por onde merecer. Alivio por ter tido a chance de conhecer por dentro muitos armários
abertos e por, muito cedo, ter descoberto que aqueles que o habitaram um dia são
tão dignos de respeito e de admiração quanto os que cresceram fora dele.
E você, caro amigo, ainda que aliviado, bem
que podia começar a pensar em sentir orgulho um dia por ter se permitido lançar
um novo olhar sobre as diferenças e passar a distribuir promessas rumo a um mundo
plural. Isso sim, seria um alivio!