Hoje, quase
meio século abrindo e fechando gavetas, posso dizer que, às vezes, ainda gostaria
de ser a feiticeira do seriado dos anos 70 e torcer o nariz para ver, em
segundos, tudo arrumadinho e funcionando perfeitamente ao meu redor. Mas parece que isso não apresenta a menor graça.
Ia me sobrar muito tempo para preencher com outras coisas de gosto duvidoso,
como discutir a relação, tentar interpretar citações aparentemente despretensiosas
nas paginas virtuais dos filhos, contar as ruguinhas e manchas senis na pele que
insistem em se multiplicar ( odeio fazer contas), pensar que no lugar de fulano
ou cicrano eu faria desta maneira e não daquela, me atolar no trabalho pra
espantar o fantasma do ócio, criativo que seja, ou armadilhas do tipo.
Definitivamente, tolerar a nossa própria bagunça, no plano interior ou físico,
nos livra de certos atos de soberba desnecessários, eu diria, disfarçados de
boas intenções.
Então
comecei a chamar de baguncinha redentora aquela que a gente mantém pra não perder
a noção de que temos todos um cantinho de desordem pra chamarmos de “meu” e que
também atende pelo nome de “eu”. Um dia
a gente percebe que, enquanto se está em condições de ver o tempo passar,
melhor aceitar que as coisas saem do lugar, assim como as pessoas, o que elas pensam
e como agem, pra não corremos o risco de nos enterrarmos vivos ou, na melhor
das hipóteses, desenvolvermos uma úlcera crônica que nos incomodaria tanto
quanto aqueles ao nosso redor.
Desta
forma, faz uns dias que minha sala de visitas ficou parecida com um ateliê de
artes e eu resisti bravamente à tentação de fazer promessa para o milagroso São
Aspirador de Pó ou fazer novena pra Nossa Senhora da Poeira Debaixo do Tapete.
Deixei que as telas e os pincéis me convidassem para um passeio, desviei sem
reclamar das caixas de tintas dispostas displicentemente entre o sofá e parede,
me diverti com as cores e texturas que lancei sobre o branco e cobri de tantas
camadas quanto desejou meu olhar cada vez que por ali passei.
Minha sala não
é mais a mesma. Nem eu. Algo me diz que as minhas gavetas vão ter que buscar
ajuda profissional ,caso insistam em me ver dando chilique cada vez que, ao se
abrirem, apresentarem uma nova disposição para a arrumação de outrora.