Tinha certeza que acabaria comprando um problema, mas não resisti quando vi no supermercado, perto do caixa, um espelho que aumenta a imagem 10 vezes. Sem pensar se seria vista, chequei o produto ali mesmo e me deparei com uma imagem assustadora e, sem dúvida, maximizada de minha inabilidade nos cuidados com a pele, a sobrancelha por fazer, a tal da meia idade chegando, para não dizer galopando ou, pior, voando. Então não hesitei, joguei o espelho no carrinho e imaginei que, ao chegar em casa, acertaria minhas contas com o tempo.
Trancada no banheiro, longe do julgo popular e perto, tão perto, de tamanhas imperfeições dantes nunca vistas, fiquei a ouvir aquela voz interna que me perguntava que tipo de ser humano desprovido de lentes tão poderosas quanto o tal espelho então adquirido poderia notar qualquer uma das manchas senis, enormes, os poros abertos, profundos, os pelos grossos, insinuantes... além disso, eu havia convivido com tudo isso por tanto tempo, sem sequer perceber que existiam. Mas eles estavam lá, era evidente; inquestionável, dizia o reflexo.
O espelho não era grande, ao contrário, era pequeno, redondo e cabia na palma da mão, mas parecia ser enorme, daqueles que mostram o corpo inteiro. Caberia também em qualquer uma de minhas bolsas, mas eu jurei que o deixaria para sempre dentro de um armário e firmaríamos então um pacto, um segredo daqueles mantidos a ferro e a fogo. Não sei se ele concordou ou fingiu que sim, só pra fazer cessar tamanha confusão e o barulho que minha vaidade fazia enquanto discutia com a imagem aumentada.
Desde então, o espelho fica quase sempre entre quatro paredes, o que me parece um tanto injusto, já que as lentes de aumento com que analiso minhas incertezas e encaro meus medos não são menos potentes ou cruéis. Além disso, vivem espalhadas pela casa, vão comigo ao trabalho, dormem em minha cama e têm tratado meu ego com uma indelicadeza ímpar.
Pablo Picasso (Spanish, 1882-1973), Girl Before a Mirror, 1932, oil on canvas, 64 x 51 1/4 inches, Museum of Modern Art, NY.